A porta grossa de madeira se
abriu dando passagem a uma enorme mesa de jantar com diversos pratos. O cheiro
de carne de carneiro assada e do álcool tomou conta das narinas de todos instantaneamente.
A comida estava sendo servida
em finas e requintadas bandejas de prata reluzente. A mesa já possuía figuras
sentadas em acentos próximos. As três pessoas presentes aproveitavam o banquete,
todas eram distintas e diferentes do padrão de soldados locais.
A mais misteriosa delas era
uma mulher coberta por uma manta roxa que deixava escapar um pouco de seu
rosto, mostrando um pouco de sua incrível beleza. O cinza de sua pele denunciava
sua raça, outro elfo negro, mas ela era surrealmente mais branca que o normal.
Um espécime raro que nunca sequer
havia sido relatada na região antes, um elfo negro albino.
O segundo ser que lhes chamou
a atenção, era não só um homem fisiculturista, mas também um Cavaleiro Negro.
Sua armadura, com o brasão de
cavalo no peito, protegia apenas seu tronco e ombros, mas não seus braços. Os
membros desprotegidos deixavam a mostra seus músculos surreais. Seus cabelos
eram ruivos e curtos, um clássico corte militar. Suas orelhas a mostra
denunciavam sua raça élfica, mas sua pele de carvalho sua ramificação.
Em suas costas havia um pano
vermelho cobrindo algo que possuía a silhueta semelhante a um espinho um pouco
menor que sua altura e, junto dela, uma espada embainhada em sua cintura.
Parysas e Sansa se surpreenderam
ao reconhecer Aquiles, claro que para eles o Cavaleiro Negro não era uma pessoa
imponente – afinal sozinho ele não conseguiria se comparar aos irmãos –, mas
para Edward, Crist e Voltten ele parecia extremamente poderoso, Glans como
sempre permaneceu isento de opinião, apenas contemplando o grupo. Já o ladino
institivamente se escondeu atrás das silhuetas próximas ao ver o militar
O último homem se comportava
completamente diferente dos ouros dois na mesa.
Ele comia aos poucos e sem
fazer barulho praticamente, sempre com o uso de talheres e limpando sua boca
com um lenço toda vez que a sujava, tudo da forma mais requintada e educada
possível. Um verdadeiro cavalheiro.
Seu corpo era coberto por uma
manta branca límpida, mas com remendos e poucas manchas de sujeira que pareciam
não sair com uma simples lavada.
Sua cabeça a mostra deixa
claro a falta de pelos total do homem – incluindo cílios e sobrancelhas. Sua
face parecia pertencer a um senhor de trinta anos e seus olhos estavam atentos
ao ponto dele ser o único a olhar para a porta segundos antes da revelação das
pessoas.
— O lugar está melhor do que
eu me lembrava. — Afirmou Parysas intrigado enquanto entrava na sala de
refeições.
— Hum? – murmurou Aquiles
deixando cair a grande coxa de carneiro de sua boca ao ver de perto Glans, o
draconato de tamanhos surreais que tanto ouviu falar.
— Um draconato, não? –
perguntou James vagamente surpreso, adicionando aquilo na lista de coisas
estranhas que conseguiu ver de perto.
— Não se preocupem com os
problemas políticos, isso tudo virá a ser discutido depois. — Afirmou Ortros,
dando caminho para todos entrarem na sala. — Por agora comam. Vocês devem estar
cansados da viagem, quando acabarem, me encontrem na sala do trono, de
preferência todos de uma vez.
— Certo... — confirmou Parysas
falando por todos que o acompanhavam.
As cadeiras da mesa foram
ocupadas pelas pessoas que se posicionaram da forma que se sentiam mais
confortáveis.
O draconato se sentou ao lado
de Aquiles que se impressionou com a simples, mas surpreendente, existência do
ser. Varis logo de cara reconhece a figura de capuz roxo e se posicionou ao seu
lado de forma esguia.
— Como um draconato está vivo
hoje em dia? – perguntou James em tom amigável com o intuito de iniciar uma
conversa com os recém-chegados.
— Bem, na verdade tem um monte
deles. — respondeu Voltten dando fluidez ao papo de forma amistosa. — Só não
sabemos onde eles estão.
— Crist, abra a boca... – afirmou
Edward enquanto brincava alimentando a filha com um pedaço cortado de carne de
carneiro.
O ladino e a mulher encapuzada
ficaram isolados no canto da mesa, não contribuindo em nada para a conversa.
Era como se os dois esperassem
para ver quem atacava primeiro.
— Como vai minha mercenária
favorita? — cochichou Varis, tomando um tom debochado e levemente cômico
perante a mulher.
— Como vai a Cobra de Duas Cabeças?
– a voz suave e fina da mulher lhe toma os ouvidos, mesmo em tom baixo e esguio.
— Essa é velha, mas é bom vela
novamente, Sagita. Faz o que? Um mês? Tem feito algo de interessante
recentemente?
— Fui contratada para ser baba
do filho do chefe a uns dias.
— Legal, legal. — respondeu o
ladino, sabendo para quem se tratava aquela mensagem. — A minha vida vai bem,
por sinal.
— Esses aí sabem do que você
fazia? — ela questionou fincando seu garfo em um de dois objetos que se
assemelhavam a batatas marrons.
— Temos um paladino e uma
criança no grupo, os maiorais devem saber, mas você acha que estariam tão
tranquilos assim se soubessem? – questionou Varis, colocando seu garfo no prato
da mulher e pegando o segundo objeto de forma rápida, o mordendo pela metade e
o mastigando.
— Isso é testículo de carneiro.
— Revelou a mulher jogando a comida de seu garfo para longe de uma forma
ardilosa.
Um barulhento som de cuspida veio
de Varis que se destacou no meio da refeição. Deixando todos o olhando curiosos
para saber o que havia acontecido, o ladino apenas deu um leve sorriso, seguido
de uma risada inconveniente.
Isso foi o suficiente para que
todos perdessem o interesse nele e logo voltassem a suas refeições.
— Para te ensinar a não roubar
de forma tão burra. — Debochou Sagita, disfarçando o leve riso com a mão na
boca. – Você realmente enferrujou.
— Entendido, se isso te faz
feliz. — respondeu Varis virando seu rosto e fazendo seus olhos vermelhos se
cruzarem com as íris semelhantes da mulher.
Os dois elfos se encaram por
breves segundos.
As bochechas rosadas de Sagita
se contrastam com o cinza esbranquiçado de sua pele e dão a Varis o sinal para
agir. Um breve impulsionar foi dado por parte de Varis que aproximou lentamente
seu rosto em direção a face envergonhada de Sagita que ficou sem reação perante
o ladino que pretendia beija-la.
O palpitar dos dois corações
era acelerado, tanto da mulher, que ficou imóvel devido à pressão, quanto
Varis, que agiu por puro e mero impulso, mas com suas decisões próprias. Ambos
envergonhados, começam a fechar lentamente seus olhos até que o inevitável
ocorresse.
Uma forte e fedorenta corrente
de ar passou por entre as comidas da mesa e chegaram a Sagita, levantando seu
capuz e o jogando para trás. Seu rosto é revelado por completo. Uma bela mulher
de longos cabelos brancos, já conhecida por Varis, se revela.
Junto da corrente de ar, um
estrondoso urro foi escutado, semelhante a uma pequena explosão de pólvora. O
som ecoou pela sala deixando todos que estavam lá curiosos e todos os que
sabiam sua origem enojados.
— Estranho.... Normalmente
saia fogo, não? — retrucou James, fazendo uma leve piada sobre o arroto do
draconiano.
— Acho que cordeiro não é uma
boa pedida para você, Escamoso. — Disse Aquiles dando dois tapas leves nas
costas do draconato, que se recompôs.
— Ah? Desculpa? – disse Glans,
buscando em sua memória as etiquetas ainda não aprendidas por ele daquela
sociedade.
— Pelo menos ele tem bom senso.
— Reclamou Varis, afastando seu rosto do de Sagita e voltando a comer,
lamentando o clima romântico que havia sido quebrado pelo inconveniente arroto.
Sagita fez o mesmo.
O banquete foi feito, deixando
as sobras junto com resquícios de carne entre os ossos dos esqueletos dos
animais. Guiados por Parysas, eles começaram a seguir o corredor rumo a sala do
trono, assim como havia pedido Ortros.
Ao chegarem lá, foi reparada a
semelhança em diversos detalhes do lugar com o salão do trono em Kranbar. O
formato do trono, as cortinas com figuras de um gato que simbolizava Tac Nyan,
tudo era de alguma forma semelhante. Parecia que o original havia servido de
extrema base para fazer a cópia em Kranbar.
Ortros aparentava estar
discutindo com um guarda enquanto lia alguns papéis sentado no trono, mas, ao
reparar a presença das pessoas na corte, se levantou, deixando as folhas e o
guarda de lado e se dirigindo ao grupo.
— Já acabaram? – perguntou o
falso rei em um tom de bom humor vagamente distraído.
— Sim, já. — respondeu Parysas
com seu típico sorriso positivo.
— Ótimo, agora vamos falar sobre
o que é importante. — Disse Ortros voltando ao trono, retirando os papéis e os
segurando em mãos.
Parysas começou a segui-lo
junto com os outros.
— Vocês estão liberados por
hoje, apenas peço a Edward que proteja Crist e peça ajuda caso for atacado, de
preferência não saia do castelo. Também peço que Sagita vigie Varis por hoje,
um adicional será pago por isso, tenha certeza.
— Espero que sim. — Resmungou
a elfa negra albina, seguindo o ladino que já havia saído.
— Ei Glans, quero tentar uma
coisa com você. — Afirmou Aquiles saindo da sala e levando com sigo o draconato
que o seguiu por curiosidade, James também acompanhou pelo mesmo motivo.
— Voltten, quer ir ver a
biblioteca? – perguntou Sansa apontando para um dos corredores da sala luxuosa.
— Claro! – confirmou o mago,
já seguindo pelo caminho indicado.
— Senhor, gostaria de ver seu
aposento e o de sua filha? — perguntou o guarda que anteriormente discutia com
Ortros, mas que agora se dispunha a servi-los. Os mesmos o acompanham
calmamente.
— Bem acho que vou indo
também, — afirmou Parysas se virando para a porta de saída. — Queria rever como
estava a igreja da cidade...
— Espere. — Interrompeu Ortros
tomando uma atitude séria e abandonando a casualidade que antes o dominava. — Tenho
uma notícia um pouco ruim para relatar e precisaria de sua ajuda para isso. Na
realidade é muito ruim...
Parysas, que já tinha dado o
primeiro passo rumo a saída, se virou para ouvir as palavras do falso rei com
receio e medo.
— Além de Crist e Bellador, um
terceiro desses “seres poderosos” foi registrado.
— Mais um!? – perguntou
Parysas assustado, voltando para perto de Ortros em segundos. — Nem decidimos
direito o que fazer com Crist e Bellador e nos aparece um terceiro?
— Sim eu sei, eu sei. – Afirmou
Ortros enquanto segurava nos ombros do paladino real, tentando o acalmar. – Mas
temos que nos preparar para sua chegada. Por algum motivo, a pessoa que me
enviou a carta o registrando é da Inglaterra.
— Inglaterra!? – questionou o
paladino real aumentando seu tom de voz preocupações. – Nem ao menos foi uma
pessoa de um país próximo, mesmo com nossas aplicações magicas, uma viajem para
a Inglaterra duraria dois meses no mínimo. – O paladino real começou a ranger
os dentes enquanto direcionava seu olhar para o chão. – Fora o fato da
Inglaterra ser reconhecida mundialmente como maior potência mágica. Se esses
seres poderosos são de tamanha importância para chamar a atenção deles temos
muitos problemas...
Em um tom de lamento o
paladino afirmou perdendo-se em seus pensamentos.
— Eles estão vindo para cá e
alegaram terem sido atacados por demônios também, então estão enviando alguém
para lhe proteger. – Afirmou Ortros prosseguindo a explicação. – Não vamos ter
que busca-lo, isso já é um grande alivio.
— Isso não parece tão ruim,
falando desse modo. — respondeu Parysas se acalmando levemente e recompondo a
postura. – Mas tem um outro problema, não?
— Sim... – disse Ortros
mostrando seu lado lógico em ação. – Imagine, três desses seres que que são uma
espécie de “chamariz de demônios” reunidos em um só lugar. A capital vai virar
um cenário de guerra, caso não façamos algo.
Parysas encarou o que foi dito
por Ortros com extremo receio e medo, mas ao mesmo tempo, tentava achar
esperança em uma solução mágica milagrosa.
Em sua mente era só uma
questão de tempo até que os demônios tentassem invadir o castelo. Mesmo com a
capacidades dele, Sansa e Ortros, eles não conseguiriam parar grandes hordas de
demônios de níveis desconhecidos.
Parysas começou a morder forte
o lábio e a bater o pé no chão como sinal de nervoso.
— Se acalme. — Afirmou Ortros.
— Falar é fácil. — Resmungou
Parysas, desviando sua educação e deixando ainda mais evidente sua preocupação.
— Andei revisando alguns
feitiços e encantamentos. Acho eu, que descobri algo que pode nos auxiliar sobre
isso. — falou Ortros, aflorando um breve sentimento de esperança no paladino
real. – Podemos aplicar magias de imbuição para barrar a entrada de demônios em
algumas partes, mas isso demandaria mais tempo do que temos, mas eu achei algo
para suprir as necessidades.
— O que seria? – perguntou Parysas
recuperando as esperanças vagamente encarando a lógica de Ortros.
— Lembra da Shield Bubble?
— Hum? – Parysas parou por
alguns segundos para lembrar do que se tratava. – Aquela magia cristã de
cúpula?
— Sim, é isso que devemos
fazer, nos proteger. – Ortros reproduziu um pequeno feixe da magia que criou
uma bolha de humidade entre suas mãos. – Uma barreira magica feita com umidade
que protege e anula energias demoníacas, é isso que vamos fazer, só que com uma
bolha que cubra a cidade inteira.
— O que!? – gritou Parysas confuso
e desacreditado com tal proposta.
— Sabia que falaria isso. — Alegou
Ortros pensativo. – Mesmo sendo uma magia de baixo nível de dificuldade, quanto
maior o tamanho que queremos, mais devemos gastar para mantê-la. Também
teríamos que rever o seu caso de adaptação.
— Como iremos fazer tal
loucura?
— Temos que unir forças, ou
pelo menos tentar. Uma única pessoa não seria capaz de fazer tal proeza. –
Ortros se calou por alguns segundos. – Eu esperava que Cérbero tivesse sido
enviado, ao contrário de vocês.
— Era o que esperávamos
também, mas não ocorreu. — respondeu Parysas com um leve desanimo ao falar.
— Bem, teremos que depender
das capacidades magicas minhas, suas e de Sansa. – Ortros começou a organizar a
defesa mentalmente. – Temos que preparar selos de proteção em lugares oportunos,
dividir os guardas para regiões mais afastas do centro, conferir extensores de
energia...
— Quando eles vão chegar? –
Parysas questionou interrompendo Ortros vagamente.
O silencio foi instaurado por
alguns segundos.
— Em menos de uma semana de
acordo com a carta. – Ortros afirma de forma realista, já vendo a reação de
desanimo de Parysas. – Eu já preparei algumas coisas, mas bem poucas.
— Acha que conseguiremos?
— Depende de nós no final de
tudo.
— Sim... — Disse Parysas que se
animou com um fio de esperança, mas tal sentimento se esvaiu com o lembrar de
um fato. — Na verdade, parando para pensar, temos um problema a mais.
— Qual?
— Em Kranbar, fomos atacados
por um demônio e por um humano.
— Sim, mencionaram algo em
alguns registros, mas ainda não tive tempo de lê-los.
— Se houver mais humanos, eles
atravessaram a barreira e tentaram atacar...
— ...E como estaremos ocupados
com a bolha, eles conseguiram... — completou Ortros que tem como resposta ao
confirmar de um movimento que Parysas realizara com a cabeça. — A magia ainda
vai reduzir as capacidades deles em um nível alto, mas mesmo assim eu chuto que
eles derrotariam hordas facilmente. Malditos demônios!
Os dois se puseram a pensar em
uma solução.
— Acho que eu tenho uma ideia
básica. — Afirmou Parysas. – Não é grande coisa, mas talvez seja uma estratégia
válida.
— Diga.