O pôr do sol transformava a paisagem cinza e
marrom em uma mescla de dourado e amarelo.
As lojas fechavam e os bares já acendiam suas
tochas do lado de fora. Sua clientela fiel, vinha aos montes para consumir de
seus serviços alimentícios.
Os bêbados já estavam nos
estabelecimentos à horas, mas os humildes trabalhadores, que ainda não cederam
suas vidas ao vicio, só frequentando os lugares a noite. Já outros só viriam na
madrugada, numa singela e depressível vida noturna.
No meio do centro comercial, um bar se destacava
com uma estátua de pedra talhada, ela mostrava a figura de um bárbaro musculoso
de dois metros carregando um machado.
O cheiro de bebida alcoólica impregnava até
mesmo os arredores do estabelecimento. Jogados na porta do lugar, dois bêbados
estavam dormentes. Um humilde vendedor viajante passou perto deles ao ser
conduzido por uma meretriz.
As luzes do lugar se destacavam de longe, assim
como os gritos que vinham de dentro. A placa em cima da porta deixava claro do
que se tratava o estabelecimento. Taverna do Tugg era o nome de tal lugar.
Em uma mesa rodeada de pessoas, algumas delas
bêbadas e muitas com o braço dominante ferido, estavam os dois desafiantes da
final daquele torneio.
De um lado, um draconato de dois metros e
trinta, que possuía apenas uma bermuda de couro velha para tampar sua virilha e
coxas. Do outro, um elfo ruivo que ostentava seus músculos e sua armadura com o
brasão de cavalo dos Cavaleiros Negros.
Aquiles encarava Glans friamente. O draconato
conseguiu passar todos os seus oponentes sem se cansar. O mesmo ocorreu com o
elfo, que quase quebrara o braço de alguns oponentes de tanto fervor.
O cheiro pútrido não aparentava os atrapalhar. A
música dos bardos e os versos dos trovadores não surtiam efeito. Gritos de
torcida vinham pelos que já perderam, junto deles os berros dos apostadores se
destacavam facilmente.
Ambos os últimos oponentes caminharam até a mesa
central, a mais forte e resistente do local. Mesa essa que já estava vagamente
destruída pelas disputas anteriores.
Sentando nas cadeiras, um continuava a olhar
para as íris do outro com frieza extrema. Um aperto de mão é feito e o final da
disputa começa.
Os inúmeros homens, com seus braços machucados,
aumentaram a frequência dos gritos e os apostadores quase estouraram as
gargantas para a vitória de um dos concorrentes.
Com gritos e berros culminando com fedor de
cerveja artesanal, o balcão do bar possuía incrivelmente apenas uma pessoa.
James já sabia do concurso de braço de ferro que
rolaria no local, mas se surpreendeu vagamente com a inclusão de Glans.
Tanto os homens sóbrios quantos os bêbados não acreditavam
no que estavam vendo. O homem dragão era o foco por onde passava, independente
do que fizesse. Glans era constantemente questionado, mas, guiado por James,
nada de ruim aconteceu.
O arqueiro não se rendeu a mexer com os
exemplares baratos de cerveja do local, até mesmo em lugares privilegiados, a
cerveja era ruim. Anos viajando lhe deram o conhecimento do que deveria ou não
pegar.
Ele era seleto, escolhendo a dedo um vinho de
vinte anos. Coincidentemente o bar possuía um vinho que o agradasse. A bebida
foi cara, mas nada que o arqueiro não pudesse pagar.
Voltando sua atenção para a rinha que rolava,
James focou no pouco das costas do draconato, que estava a mostra atrás de uma
multidão de bêbados.
— Amigos seu? — Perguntou o humilde e velho
taverneiro, que servia um dos mais finos vinhos que possuía em sua adega em uma
caneca de madeira com detalhes em metal.
— Digamos que sim. — Respondeu o arqueiro,
colocando as moedas no balcão e pegando sua bebida, a apreciando lentamente. —
O elfo se chama Aquiles, chuto que é um cliente frequente desse
estabelecimento.
— Sim. — Afirmou o senhor contando as moedas e
vendo que o homem as separou corretamente. — Aquiles é um dos mais fortes
quando o assunto é bebida, quase nunca ficou bêbado, apenas quando decide
extravasar, sua força é surreal para um elfo. Até esse brutamontes vermelho
chegar, ele era o favorito de todos nessa noite.
— Ele deve se gabar disso toda hora, certo?
— Sim, mas essa coisa vermelha parece ser
igualmente forte. – O taverneiro guardou suas moedas e volta a atenção para
James. – Ele não parece ser de nenhuma raça que eu vi até agora. É como se
fosse um lagarto.
— Você já ouviu falar de draconianos?
— Hum? Não.
— Imagine um lagarto gigante com assas e que
cospe fogo. – James bebeu um pouco de seu vinho. – Isso é um dragão. Ele seria
um draconato, um homem lagarto com descendência draconiana.
— Dragões?! – O taverneiro recolheu em sua
memória fragmentos para compreender o arqueiro. – Eles existem?
— Não, não. – James caçoou vagamente. – Apenas
draconatos.
O taverneiro parou para conferir novamente o
braço de ferro que estava rolando.
— É incrível ele estar vivo.
— De fato, só sua existência já o torna
especial, mas sua força lhe transforma em uma peça rara, talvez única.
Enquanto o papo calmo rolava entre o taverneiro
e James acontecia, no centro da taverna a tensão tomava conta. Os braços
escamosos de Glans, empurram com todas suas forças os enormes músculos de Aquiles.
Ambos pareciam fazer o máximo de força para
ganhar.
Mesmo depois de dez minutos, a posição das mãos
de ambos permaneceram as mesmas desde o início do confronto. As veias que
saltavam do braço do elfo, comprovavam que ele estava dando tudo de si, talvez
até mais.
Glans em contrapartida estava ofegante, mas suas
veias não saltavam do corpo. Não parecia que ele estava calmo ou que ele não
estivesse fazendo força.
As raças draconianas foram extintas a tempos,
raros eram os livros, anotações ou até lendas que contavam detalhes técnicos de
sua raça. Nunca fora dito em lugar algum, como era o sistema imunológico de um
draconiano, suas veias não saindo poderia ser só um detalhe de espécie.
A respiração do mesmo, aumentou quase que o
triplo em poucos segundos. O ar entrava em sua boca e era inspirado em uma
corrente quente de vento. Junto disso, seu peito expandia e contraia a medida
que respirava, sendo a quantidade de ar o equivalente ao tamanho.
Os homens em volta dos dois concorrentes, se
afastaram com medo, ao verem Glans entrando em um estado instável, mas Aquiles
nem percebeu. O elfo ainda focava seus olhos friamente nos do oponente.
Mesmo com a respiração do draconato fazendo um
imenso calor, que aumentava a temperatura no interior de sua armadura.
Os bêbados, que ainda conseguem distinguir
algumas coisas, se impressionaram com o embate de dois gigantes em força que
acontecia. Os apostadores continuaram a gritar, mesmo com o medo do que viria
de Glans e seus trejeitos estranhos.
Muitos fugiram de medo e alguns até desmaiaram,
seja pela bebida, ou pelo pavor de encarar seus olhos sedentos pela vitória. O
embate durou por diversos minutos, até que um dos lados começou a ceder.
Glans sente seu punho ser empurrado levemente,
mas tentou se recuperar. O mesmo ocorreu com Aquiles. O ciclo dos dois
continuou por mais longos dez minutos, até que a resistência do elfo cedeu e o
fez perder aquela competição.
Um estouro veio por parte de Glans, que liberou
toda sua fúria em um urro gigantesco que foi o predecessor de toda a força
vinda de seu braço.
Isso fez com que a mão de Aquiles encostasse no
frio e pesado pedaço de madeira da mesa em questão de segundos.
O braço do cavaleiro já estava exalando veias a
mostra por todo seu membro dominante. O mesmo estava inchado e bizarramente
instável. Era como se ele fosse quebrar ou estourar a qualquer momento.
Os gritos de comemoração foram ouvidos até do
lado de fora da taverna, as canecas balançaram derrubando ainda mais bebida no
chão, que ganhou mais do seu característico cheiro de álcool.
— Acho que Glans ganhou. — Afirmou o taverneiro
em um tom levemente cômico.
— Conhecendo Aquiles, ele vai pedir uma espécie
de revanche em menos de uma semana. — Completou James, pondo a caneca de vinho
vazia de volta no balcão.
O elfo derrotado cambaleou devido à falta de
energia, parando junto a James no balcão. Pondo seu braço em cima do balcão e
espantando James e o taverneiro com as alterações, o elfo se pôs a recuperar o
folego.
Enquanto isso, os apostadores trocavam as moedas
e itens que haviam colocado na mesa. Glans, antes que conseguisse dar um passo,
fora aparado pelos bêbados.
O estado do draconato estava alterado pelo quase
combate. Ele viu os bêbados a sua volta e quase os ataca por receio. James logo
percebeu isso e corre na direção do amigo aparando-o.
— Se acalme, meu caro. – James pediu, segurando
as mãos do amigo e o conduzindo em meio aos bêbados. Agora os três estavam no
balcão da taverna.
— Duas canecas do mais forte! — Pediu o
guerreiro desanimado, com a cara apoiada no balcão e a mão estendida para
circular melhor o sangue de sua mão prejudicada. – Eu preciso do dobro do comum
pra hoje!
— É pra já! — Respondeu o dono da taverna
rapidamente.
Após se sentar junto de Glans, o arqueiro olhou
para o cavaleiro cansado.
— Vai reclamar alguma coisa? — Perguntou James
com um tom sarcástico. — Foi você que o chamou para participar do torneio.
— Porque eu achei que ia ser legal, não que ele
ia me vencer. — Justificou Aquiles, ainda cabisbaixo!
— Aliás Glans, como foi ganhar? – Questionou
James, se direcionando a Glans.
— Quente... – O draconato afirmou vagamente.
— Hum? – Os dois olham para o amigo que estava
respirando aos montes, com uma frequência incrível.
— Aqui. — Disse o senhor colocando as duas
canecas de bebida na frente de Aquiles.
— Você está bem aí, grandão? – James questionou
fazendo um sinal na mão para o taverneiro, pedindo mais um copo de vinho.
— Obrigado. — Agradeceu o elfo pegando na alça
da primeira caneca e dando um grande gole no liquido, que o faz fazer pequenas
caretas ao engolir pela primeira vez.
— Glans poder beber? – Perguntou o draconato,
retomando o folego e depois apontando para a segunda caneca de Aquiles.
— Você não pode comprar uma por conta própria? –
Reclamou Aquiles, alterado e já aparentando indícios da influência pela perda.
— Comprar? – Questionou Glans.
— Pega. — Afirmou James roubando a segunda
caneca de Aquiles e entregando para Glans.
— Ei! — Resmungou. — Você está de qual lado?
— O contrário ao seu. — Ironizou o arqueiro. —
Agora bebe logo e perde essa raiva.
O elfo e o draconato apoiaram a borda da caneca
nos seus lábios inferiores, derramando o liquido de cor amarelada para dentro
de suas gargantas que pediam pelo doce inflamável que ardia seu interior e os
queimava com o passar do tempo.
O teor alcoólico era tamanho a ponto de
retrações acontecerem nos rostos dos dois, que acabaram fazendo caretas por
causa da bebida, deixando a cara de dragão de Glans ainda mais estranha.
— Pronto, somos todos amigos agora. — Afirmou
James debochando, como se estivesse falando com uma criança.
— Fica quieto! – Reclamou Aquiles.
— Isso... – Glans volta ao fluxo de respiração
forte, mas dessa vez o calor fica mais quente e mais quente com o passar dos
segundos.
— Tá bem aí, o escamoso? – Questionou Aquiles
vagamente bêbado.
Os olhos amarelados do draconato ficam dilatados
e, com um arroto forte direcionado para cima, um baforar de fogo é emanado de
seu interior.
James, Aquiles, o taverneiro e quase todos que
ainda estavam sóbrios da taverna, olharam para aquilo com extremo medo.
— E não é que sai fogo mesmo. – Afirmou James
comentando rapidamente em tom cômico, mas ainda impressionado.
— O que diabos foi aquilo?! – O taverneiro
questionou.
— Lembra quando eu falei de dragões? – Ele
indagou rapidamente enquanto bolava a teoria.
— Hum? Sim.
— Eu chuto que deve ser algo a ver com a
respiração ofegante ou com o álcool da bebida, como se internamente existisse
uma espécie de pedra de ignição. – James teorizou rodeando Glans enquanto bebia
sua nova caneca de vinho. – Alguma opinião Aquiles?
— Fogo... – Ao olhar para Aquiles, James o vê
bêbado, pedindo mais uma caneca e encarando onde estavam as labaredas, que já
se dissiparam depois daquele ponto.
— Claro... – James voltou para o balcão se
direcionando para o taverneiro. – De uma bebida mais leve com um teor alcoólico
menor, também deixe o prêmio do concurso de braço de ferro comigo, eu entrego
para eles depois.
— Certo... – O taverneiro afirmou receoso,
buscando uma caneca de cerveja mais fraca de forma receosa.
— Hum. – O arqueiro olhou para sua caneca de
vinho e encarou o seu vago reflexo na bebida. – Quem diria que veria um dragão
em vida. Vir para cá realmente valeu a pena. – Ele afirmou isso comemorando com
uma risada vaga.