-- Ei Aquiles, acho que
estamos perdidos.
-- Por
que acha isso?
-- Não
sei dizer, mas algo me diz que fomos colocados de lado para darem foco a algo
mais interessante e só voltaram para nós por conveniência.
-- E
quem exatamente fez isso?
-- Sei
lá...
Aquiles
parou calmamente seguido de seu grupo. Ele se virou para trás, afastando os
cultistas de máscara assustada e se dirigindo ao arqueiro.
--
Você disse que já esteve aqui, então deveríamos demorar tanto para chegar a
algum lugar?
-- É,
eu estive, mas... – Ele afirmou sem graça, coçando a cabeça vagamente. – O
lugar parece que mudou um pouco.
Aquiles
o encarou friamente e sem reação, apenas assimilando a resposta.
--
Voltten, me faz um favor? – Questionou depois de alguns segundos.
--
Sim? – Respondeu vagamente intrigado.
--
Bate nele com seu cajado.
-- O
que? – Os cultistas questionaram junto do mago.
– Por que
isso? – Voltten complementou.
-- Porquê
se eu fizer qualquer ação contra ele, eu vou usar força de mais e acabar
machucando ele. – Aquiles suspirou com calma e paciência, se virando novamente
para o arqueiro. – Entenda, o que eu vou falar vai ser frio, cruel, mas é
melhor eu ser realista com você e seu grupo do que eu ficar no jogo positivo de
vocês.
Uma
pequena pausa foi feita, dando o total foco a Aquiles, deixando todos em uma
roda improvisada no meio do corredor.
-- Eu
não sei o que meus companheiros estão sofrendo, mesmo podendo supor. Eu não sei
os fundamentos, crenças e princípios de seu culto, mas chuto que vocês
realmente almejam uma vitória atrás dessa personalidade exagerada. – Aquiles
pegou vagamente no ombro do arqueiro enquanto continuava. – Desculpe se o que
eu pedir seja contra sua religião, mas eu preciso de soldados sérios,
curandeiros sérios, não digo para vocês se tornarem bestas desalmadas que
matariam as próprias crias, mas peço que vocês deixem de se comportar como
cultistas e virem soldados.
Aquiles
se afastou do arqueiro, deixando ele e os outros cultistas sem reação. Voltten
e Glans desviavam o olhar para cada um deles que permaneciam sem falar nada.
-- As
máscaras foram criadas para mostrar nossas almas. – O arqueiro afirmou de forma
neutra e séria, algo que de início parecia uma defesa aos pedidos de Aquiles. –
Somos seres reclusos, pessoas que a sociedade rejeita. Sem as máscaras somos
monstros, com as máscaras somos uma família em que cada um exerce sua função.
Um dos
de máscara assustada se pôs a frente para continuar a falar.
-- Os
jovens felizes se põem a trabalhar e atacar, os adultos rabugentos protegem a
família, os velhos que temem a morte cuidam da vida e da saúde dos mais novos.
– O máscara assustada foi cortado pelo seu companheiro de mesma máscara.
-- Os
sábios neutros perante tudo se destacam dos demais e são discípulos daquele que
virou a Chama criada pela própria vontade do Fluxo da Vida.
Todos
estavam olhando para Aquiles de forma tensa e vagamente ameaçadora, porém o
soldado não se abalou nem por um segundo sequer.
--
“Sem as máscaras são monstros”? – Aquiles questionou ironizando. – Olhando para
você, mesmo não vendo o seu rosto, não sabendo sua raça, sexo ou outro detalhe
do tipo, eu não vejo um monstro.
Erguendo
o punho na altura do peito e tirando o elmo élfico, Aquiles exalou os dogmas de
seu clã.
--
Você é um arqueiro, não, uma pessoa digna de existir. – Falou confiante e de
forma sabia, as mesmas palavras que ouvira de seu pai eram proferidas para
combater as injustiças que rodeavam aquele arqueiro. – Não importa sua raça,
não importa sua história, não importa sua religião. Você é tão digno de existir
quanto qualquer um, aqueles que te reprimem e te dizem o contrário é que estão
errados.
O
guerreiro colocou novamente o elmo élfico, sem desvirtuar a visão do arqueiro
que estava imóvel assim como seus colegas cultistas.
--
Todos vocês são dignos, únicos perante esse mundo, não se menospreze se
chamando de Monstro. – Aquiles afirmou, se virando para seguir novamente para o
corredor daquele castelo subterrâneo.
Após
passos rápidos, ele foi parado com um grito.
-- Não
fale que é tão fácil! – Uma voz nova e feminina que desvirtuava completamente do
que já havia ouvido antes do espadachim que a emanava.
--
Hum? – O elfo se virou lentamente, enquanto via o espadachim preparando um
ataque que, rapidamente, foi impedido por Glans.
Todos
se viraram de forma hostil para o draconato, que só tinha tentado proteger o
amigo.
--
Glans, solte-a. – Aquiles comandou, instaurando a calmaria novamente, mas que
agora se mesclava com a leve tensão que ainda não acabava. – Me responda, o que
não é fácil?
-- Você
acha que é fácil existir em um lugar que não importa o que você faça ou fale,
sempre vão te tratar como lixo ou a uma escória, desejando sua morte como se
fosse um “bom dia”? – Ela gritou indignada para Aquiles, enquanto era segurada
pelo outro espadachim e pelo arqueiro. – Você tem ideia do que é isso!?
-- Briseis,
pare! – Todos os cultistas gritaram simultaneamente de forma séria, como se
aquilo fosse a punição pela quebra de padrões do culto.
Logo
em seguida, ela parou seus delírios e voltou a posição de uma cultista
sorridente que portava uma espada, até mesmo sua voz mudou para um tom mais
ambíguo.
-- Briseis...
– Aquiles murmurou, olhando friamente para os buracos oculares da máscara
sorridente.
O elfo
falava com peso e seriedade, afinal, tudo que havia sido proferido – ameaças,
deboches, calunias, boatos, tudo que lhe incomodava e lhe reprimia dentro de
seu próprio clã, lugar em que mais havia sido fiel em sua vida – também
acontecera com ele, principalmente depois dos acontecimentos em sua primeira
missão.
--
Você conhece meu rosto, meu nome, mas não minha história. Se conhecesse, não
iria me contrariar dessa forma. – Respondeu a caráter de forma fria. – Se você
tiver tempo para ouvir lamentos, eu vou estar disponível depois que saímos
daqui, até lá, siga minhas ordens e não perca o controle novamente, entendido?
--
Claro... – A voz feliz ambígua se misturava com a voz feminina num tom que era
vagamente assustador.
--
Arqueiro, sem brincadeiras agora. – Aquiles falou, virando-se para o cultista
arqueiro. – Para onde devemos seguir.
--
Vamos ver, nós temos...
--
Responda em frases curtas! – Reforçou colocando uma pressão ameaçadora, porém necessária.
--
Hum. – Ele se cortou no meio de sua fala e engoliu a saliva lentamente para se recompor.
– Acho que a próxima à esquerda.
Seguindo
os corredores do local, Aquiles reparou que eles eram peculiares ao extremo
para um castelo. Ao contrário da maioria dos lugares constituídos de corredores
quadrados e salas separadas, aquele castelo parecia um corredor gigantesco que
seguia um sistema de raiz – que tinha início em um ponto e ia se ramificando em
veias menores.
O
clima entre os três amigos e os cinco cultistas era mais tenso. Os cultistas,
assustados, mantinham uma certa distância adicional do cavaleiro, mas, em
muitos momentos, eles acabaram por bater suas costas no peito de Glans,
deixando-os mais tensos.
A
caminhada havia sido grande e cada vez mais, Aquiles teorizava que aquele local
era uma espécie de “demônio labirinto” que os envolveram em uma armadilha.
A
afirmação do arqueiro de que ele não sabia ao certo a localização daquele local
não parecia ser apenas impressão, aquele lugar de fato poderia se modificar a
cada vez que alguém entrasse nele.
Após
certo tempo, uma câmara se destacou após uma longa curva. Ela era larga,
redonda e possuía uns 5 metros de altura. Em seu centro havia algo extremamente
peculiar, principalmente para aquele lugar, mas que era tão belo e curioso que
chamava completamente a atenção.
Uma
majestosa e sublime árvore branca de dois metros, uma espécie de carvalho
albino anão de vários e vários galhos. Assim como flores de cerejeira
desabrochando e caindo nas primaveras de Ortren, a árvore emanava pétalas que
produziam brilhos cristalinos que iluminava a câmara tão forte quanto uma
tocha.
Aquiles
sinalizou rapidamente para o grupo parar. Logo ele se virou para os cultistas
assustados.
--
Certo, o que é aquilo? – Aquiles questionou apontando para a árvore.
-- Não
sabemos. – Os dois responderam após trocar olhares.
--
Serio? Nada?! – Perguntou indignado.
Voltten
sutilmente saiu de trás de Glans e entrou na roda de conversa.
--
Então, porque não entramos? – O arqueiro questionou, se esgueirando atrás do
draconato, como se ele fosse uma parede.
-- Mal
sabemos que planta é essa, estando aqui só traz uma má reputação. – Voltten
afirmou rapidamente. – Ela pode estar produzindo um gás venenoso ou nocivo.
--
Então vamos queimá-la. – Um espadachim afirmou assim como o colega arqueiro.
-- Também
não é uma boa ideia. – Aquiles retrucou. – Se o gás que ela emite for inflamável,
o corredor vai explodir em fogo e ainda mais, esse lugar parece que “sente onde
nós estamos”.
-- Que?
– Voltten, Glans e os cultistas assustados questionam direcionando a visão ao
amigo.
-- Eu
não sei se é um delírio, mas eu acho que esse labirinto tem algo a ver com o
necromante ou aos demônios, mas também acho que evitarmos chamar a atenção por
meios mágicos seja o melhor por enquanto.
-- Sem
magias então... – Voltten murmurou pensativo.
--
Apenas em casos extremos ou necessários. – Aquiles voltou a atenção para a árvore
branca. – Como agora...
--
Hum? – Os cultistas assustados murmuraram de curiosidade.
--
Quer que Glans tente passar com corpo de dragão? – Glans questionou, batendo no
peito tentando ajudar.
-- Não
é pra tanto, escamoso. – Aquiles falou, olhando para a base da árvore. –
Certo... hora de arriscar, Voltten, você consegue acertar uma bola de fogo ali?
-- Hum?
– O mago percebeu a trajetória apontada por Aquiles. – Supostamente.
--
Certo, uma última coisa. – Aquiles se virou para os cultistas assustados,
fazendo-os tremer um pouco. – Essas suas máscaras, elas têm alguma propriedade
especial ou é só estética?
--
Como? – Eles questionaram intrigados.
--
Vocês falaram toda aquela filosofia das máscaras e afins, mas elas têm alguma
propriedade especial? – Questionou pensativamente. – Seria conveniente máscaras
com resistência a gás.
-- Ei,
mas e você e seu amigo! – A espadachim mulher saiu de traz de Glans,
intercalando a voz novamente. – Vocês elfos tem resistência a veneno, por que
querem fazer uso de nossas máscaras?
-- A
nossa resistência a venenos não é tão simples. – Aquiles afirmou balançando a
cabeça.
--
Hum?
--
Nosso sangue consegue cuidar melhor de doenças de origem natural por meio de
glóbulos brancos e anticorpos especiais de nossa raça, mas se um gás atinge
nossa pele é uma coisa completamente diferente. – Voltten começou a explicar
calmamente. – Por exemplo, podemos inalar um gás nocivo ou algum que danifique
nossa pele sem precisar entrar em contato com nosso sangue.
A
espadachim se calou e voltou para trás de Glans assim como todos, que não
encontraram lógica para contra-argumentar Voltten.
--
Certo, então sem máscara protetora... – Aquiles começou a analisar a câmara
mais uma vez. – Certo, eu tenho um plano seguro.
--
Ótimo, qual? – Voltten questionou.
--
Você vai nos proteger enquanto todo mundo passa.
Voltten
encarou o amigo que o encarou de volta. Após dez segundos, ele voltou ao
normal.
--
Perdão, mas o que você disse? – Ele questionou.
--
Você vai deixar uma bola de fogo armada de prontidão e vai mirar no local onde
eu falei, eu vou mostrar como passar e vamos cruzar isso de um em um. – Aquiles
focou cada vez mais na árvore. – Se algo de ruim acontecer, você solta a bola
de fogo e derruba a árvore, todos que restarem prendem a respiração e correm
para o outro lado.
Voltten
começou a tremer vagamente enquanto Aquiles continuava a explicar seu plano.
-- Eu
vou primeiro para mostrar como os cultistas devem fazer, depois o Glans vai,
depois você. – Ele se virou rapidamente para o draconato. – Glans, os cultistas
são leves, caso precise, carregue-os e os jogue na minha direção que eu
amorteço. Matheus Freitas: O Aquiles e sua delicadeza peculiar...
-- Ei,
eu não quero ser arremessado. – Um cultista de máscara triste afirmou
incomodado.
--
Quando a árvore virar um demônio albino, você vai ter o direito de pedir isso.
– Aquiles afirmou ironicamente. Ele se encostou na parede e respirou fundo. –
Prestem atenção, eu vou passar e vocês repetem.
Aquiles
circulou a câmara redonda, sempre no extremo canto, até mesmo sua respiração foi
alterada para um padrão mais pesado. Quando ele chegou no final do corredor,
comemorou mentalmente.
Do
outro lado, os cultistas iam de um em um, assim como indicou o cavaleiro.
Voltten estava em um estado assustado, a magia em seu cajado estava preparada
para ser lançada, mas a mente do invocador permanecia alerta e assustada,
podendo se desestabilizar a qualquer momento e soltar a magia por impulso.
Matheus Freitas: Sério... Definitivamente eu não iria deixar minha vida nas
mãos do Voltten, ele ia correr e me deixar na mão...
Depois
de um certo tempo, Voltten recebeu um soco fraco no ombro, era Glans lhe encarando.
O mago queria conversar com o mesmo antes dele ir, mas não conseguiu falar
muito devido a concentração na magia.
-- Eu
confiar em você. – O draconato afirmou. – Você conseguir.
Após
falar isso, Glans se pôs a imitar o que os outros fizeram e logo cruzou a
câmara.
--
Voltten, sua vez! – Aquiles gritou para o mago, que se começou a contornar a
câmara lentamente, mas com a magia sempre armada.
A
mente de Voltten estava doendo, seu condutor de magia estava vagamente instável
– com raios brancos e vermelhos emanando ao redor da bola de fogo que se
formava. O mago permaneceu firme, mesmo que a cada passo lhe desse uma dor de cabeça
alucinante.
--
Voltten, o que você está fazendo? Você pode desativar a magia. – Escutou a voz
de Aquiles, se animando. Logo a esfera de fogo se desfez lentamente enquanto o
elfo se virava para seu o grupo.
Foi
nesse exato momento, que ele sentiu a fisgada do diabo.
--
Voltten! Porque você desfez a magia!? – Aquiles gritou, se preparando para
correr na direção do mago para resgatá-lo.
--
Hum? – Murmurou intrigado. – Como assi...
Voltten
tentou proferir mais palavras, porém todas foram cessadas com um aperto
demoníaco em sua garganta. Segundo após segundo, ele sentia seus órgãos sendo
revirados.
O
mesmo tentou correr na direção do grupo para se salvar, mas uma fisgada na sua
bexiga o desestabilizou de imediato. Era como se tivessem a perfurado com
agulhas internamente.
Seus
órgãos eram feridos pela pulsação e contração do coração, como se bolas de
espinhos estivessem passando por sua pele, ele começou a expelir sangue da
pélvis junto de fluidos involuntários.
Aquiles
sabia que aquilo iria acontecer com ele também quando inalasse o gás daquela
sala. Então ele prendeu a respiração segundos antes de chegar em Voltten.
Ao
mesmo tempo que o mago fora enganado, um barulho de correntes e engrenagens se movendo
ecoou do teto. Aquiles e Voltten nem perceberam isso direito, mas os cultistas
assustados já comentaram entre si.
--
Isso é...
--
Sim...
-- O
que ser isso? – Glans questionou.
-- Um
elevador...
-- Vai
cair...
-- E
esmagar os dois.