— Não é assim. — Alcmeão empurra Artemísia,
irritado.
— Fiz exatamente como você mostrou, idiota.
— Já chega. Não suporto mais isso. Mulheres
nunca deveriam se misturar com homens. Vocês são seres inferiores. — Alcmeão
cospe no chão e dá as costas para Artemísia. Maya observa sem se intrometer. Os
demais discípulos seguem com seus exercícios, indiferentes à discussão entre
Artemísia e seu colega venusiano.
— Desgraçado! — Artemísia dá uma rasteira em
Alcmeão. O guerreiro cai, mas se levanta rapidamente.
— Enlouqueceu, mulher? Já que deseja imitar um
homem, agora irá apanhar como tal. — Alcmeão dá um soco no rosto de Artemísia.
Ela cospe sangue e olha com ódio para o guerreiro. Com a boca sangrando, a
venusiana abre um sorriso de satisfação.
Artemísia grita com raiva, enquanto quebra uma
perna do guerreiro com um chute muito forte; ele grita de dor, mas tenta dar um
soco na cabeça da venusiana; ela se esquiva do soco, se abaixando, e aproveita
para dar uma joelhada no estômago de Alcmeão.
O grandalhão se encolhe por causa da dor e a
guerreira o pega por trás; com o braço por volta de seu pescoço, ela o sufoca.
Com dificuldade para respirar, e com a perna quebrada, o guerreiro fica fraco,
vai se abaixando cada vez mais, Artemísia aproveita e pula sobre o venusiano,
enche seu rosto de socos e começa a bater a cabeça do mercenário no chão.
Arûara aparece e impede que a guerreira mate Alcmeão.
— O que
está acontecendo aqui? — A voz do mestre, sempre tão serena, agora parece
um trovão. Todos param com suas atividades, exceto a venusiana, que continua
batendo a cabeça de seu colega no chão furiosamente.
— ARTEMÍSIA! — O mestre fala alto, de forma
firme. A guerreira respira fundo e deixa Alcmeão no chão.
Arûara anda lentamente pelo pátio, com as mãos
para trás. Quando se aproxima de Artemísia, a olha nos olhos, como um pai
repreendendo a filha que acabou de cometer um erro grave.
— Peguem Alcmeão e o levem para a enfermaria. —
Arûara fala secamente, sem desviar os olhos da guerreira. Dois homens e uma
mulher carregam o venusiano. Ao longe, Maya sorri com satisfação. — Algo assim
nunca havia acontecido em meu templo.
— Subirei até o meu quarto e pegarei as minhas
coisas. — Artemísia dá um passo à frente.
— Espere, não terminei ainda. — Artemísia fica parada
e ouve um discurso de Arûara. Após o sermão ele chega ao ponto que interessa à
guerreira. — ... assim, decidi que, de agora em diante, eu mesmo a instruirei.
Você não receberá os ensinamentos de Maya junto dos outros. Nossas lições
acontecerão neste mesmo pátio, durante a noite. — O mestre se vira e segue para
fora do pátio. Artemísia fica confusa, mas sente certa satisfação na decisão de
Arûara.
Embora não se sentisse confortável naquele
templo, a guerreira não queria desistir antes que sua instrução terminasse;
para ela, desistir era um ato de covardia, característica que a fazia se
lembrar de sua mãe e de todas as mulheres submissas do Clã.
Maya se aproxima.
— Bravo, guerreira! Vejo que seu verdadeiro eu está se manifestando!
— Ele me provocou. — Artemísia limpa o sangue de
sua boca.
— Entendo... Mas perdoe Alcmeão. Assim como em
você, o Clã deixou naquele coração grandes mágoas e grandes traumas... e a
presença de mulheres sempre o lembra de tudo que ele gostaria de esquecer.
— Qual é a história do venusiano idiota?
— Alcmeão nasceu em Vênus, em seu querido Clã. Aos 25 anos, em um ataque
de fúria, matou a própria mãe, o que o deixou atormentado devido a alguns
sentimentos contraditórios. Como você bem sabe, em seu Clã, um homem é ensinado
desde criança a não alimentar nenhum tipo de sentimento por mulher alguma, nem
mesmo pela própria mãe, pois, segundo suas crenças, nenhuma mulher é confiável.
O que seu amado Clã não sabia é que nenhum ser
humano é confiável e Alcmeão matou a mãe por uma intriga de seu melhor
amigo, que se descobriu em pouco tempo ser uma mentira
— Parece que seu irmão, assim como Alcmeão,
também não conhece nossa espécie, pois, segundo você, ele confia em mim.
— Hum... Não se preocupe, maninha, não é
exatamente em você que ele confia... não precisa ter crises de consciência por
isso. — Artemísia fica confusa. — Meu irmão é um sábio, ele confia no
destino... e acredita que você faz parte do destino dele. É nisso que ele
confia e é por isso que não tem medo de você. — Artemísia fica pensativa, Maya
a observa de cima a embaixo, com expressão de desdém. — Seria bom você tomar um
banho... O sangue de Alcmeão pode lhe fazer mal. — Maya deixa o pátio.
Após a briga entre Artemísia e Alcmeão, todas as
noites Arûara instruía a venusiana nas artes marciais, os dois eram sempre
observados pelo olhar atento de Maya. A venusiana aprendia rápido, o que
preocupava a irmã do mestre, mas não eram só os ensinamentos sobre a arte da
luta que estavam sendo assimilados pela guerreira. O contato diário com Arûara,
tão próximo, estava mexendo com os instintos de Artemísia. Ela estava ficando
confusa.
— Já chega por hoje. Pode descansar. — Arûara
diz ao fim de mais uma lição.
— Vou treinar mais um pouco.
— Fique à vontade. — Arûara deixa o pátio. Maya
o segue.
Enquanto Artemísia treina sozinha, ela percebe
uma pequena porta, no lado esquerdo do pátio. Foi a primeira vez que notou
aquela porta ali. A venusiana continua com os exercícios, mas a porta parece
chamar por ela, que acaba cedendo e vai olhar de perto.
A porta é escura e nela há inscrições,
indecifráveis para Artemísia, mas ela reconhece um símbolo, o sol e a lua, que
a guerreira viu na sala de Huxley, entre as duas fontes de água. A imagem a
intriga, a venusiana tenta abrir a porta e, para sua surpresa, ela não está
trancada, então Artemísia a atravessa e chega a um pequeno corredor, que antecede
uma sala escura. Ao fundo se vê uma luz verde, bem fraca. A venusiana segue até
ela.
Ao chegar bem perto, Artemísia percebe que se
trata de um pequeno amuleto, feito de uma pedra verde, com a forma de um animal
desconhecido. Quando a guerreira se aproxima mais, para observar melhor os
detalhes do objeto, as luzes da sala se acendem.
— Vejo que encontrou meu pequeno tesouro! —
Artemísia se assusta com a voz de Arûara. A sensação de ser pega em flagrante
lhe traz à memória os momentos de terror vividos na sala sagrada de sua
família. — Me desculpe, não quis assustá-la. — Arûara se aproxima. A venusiana
se acalma.
— Eu que peço desculpa, a porta tava aberta e...
— Calma, minha querida... não precisa se
desculpar. — Arûara pega o amuleto e o coloca sobre a palma da mão. — Este é o
meu Muiraquitã. Um amuleto tão antigo quanto a humanidade.
— Muiraquitã?
— Sim.
— Nunca ouvi falar.
— Poucos conhecem sua história. Na verdade,
mesmo entre os sábios há quem nunca ouviu falar do Muiraquitã.
— É uma bela relíquia.
— Não é só uma bela relíquia, ele guarda uma
história... — Arûara chega bem perto de Artemísia e sussurra em seu ouvido. —
... que pode levar à eternidade. — Arûara se afasta e coloca o Muiraquitã
novamente em seu lugar. — Me desculpe por não poder lhe fazer companhia no
momento. Preciso sair para encontrar um amigo. Mas fique à vontade. Sei que
encontrará muita coisa de seu interesse nesta sala.
— Obrigada. — Arûara sai e fecha a porta.
Com as luzes acesas, Artemísia vê o que há na
sala. Nisso, Arûara não é diferente dos outros sábios. Há muitos objetos de
arte, muitas relíquias e muitas inscrições, em várias línguas antigas,
espalhadas por todo o lugar. Mas a guerreira se interessa em saber mais sobre o
Muiraquitã. No suporte do amuleto há um projetor de hologramas. Artemísia o
aciona.
Onde hoje
existe a Atlântida, havia, há muitas gerações, um continente vasto, com
natureza exuberante, e nele vivia um povo sagrado. Esse povo era dividido em
várias nações, várias etnias, e cada nação desenvolveu sua maneira particular
de perceber o Todo. Uma dessas nações era formada somente por corajosas
guerreiras, as Icamiabas, filhas de Îasy.
Nesse
tempo, a deusa Îasy, a Lua, abençoou suas filhas com diversos dons, tornando-as
especiais entre a humanidade.
Por serem
muito evoluídas, não havia homens que pudessem gerar filhos com elas, pois não
dispunham de energia Yang suficiente para interagir com a energia Yin das
filhas de Îasy. Assim, a deusa entregou às Icamiabas uma pedra sagrada, o Muiraquitã Original, da qual as guerreiras podiam retirar pequenos pedaços e
transformá-los em amuletos, com os quais elas presenteavam os homens escolhidos
por elas para serem os pais de seus filhos.
A pedra de
Îasy ficava em um lago sagrado, o Îasy
Arugûá, ou, Espelho da Lua. Quando uma Icamiaba
encontrava o seu par, ela mergulhava fundo no lago e retirava da pedra verde o
seu Muiraquitã. Ao entregar o amuleto ao amado, o corpo dele recebia a energia
necessária para que pudesse se unir à guerreira. Após alguns encontros de amor,
o homem devia seguir seu caminho; mas levava consigo o presente da Icamiaba,
que seria para ele, para sempre, proteção e fonte de força e felicidade.
— Muiraquitã... — Artemísia sorri enquanto olha
para o amuleto à sua frente.