Bolton, Najla e Aron se sentaram
próximos um do outro, estavam no albergue de Greward, e falavam baixo para que
os outros não os ouvissem. Mira e Meia-Noite haviam saído mais cedo com um
outro integrante do grupo, disseram que andariam pela cidade para tentar
descobrir algo mais sobre aquele lugar.
— Temos que ir atrás do
morto-vivo que roubou o corpo de Reyny Erix, ele não pode ficar impune! Thyatis
lhe dará uma segunda chance. — Bolton estava de pé sobre a cama de palha, o que
o deixava com a mesma altura dos dois amigos sentados.
— Vamos ter que pular o muro de
cemitério para ir até lá. — Aron respondeu, escorado na parede.
— Isso não tem nada a ver com a
gente. — Najla resmungou, cruzando os braços.
— Tem tudo a ver com a gente,
minha querida. — Bolton sorriu. — Temos que ajudar aqueles que precisam.
— Então eu preciso que me ajude a
não ajudá-los.
— É claro que si... ooora, não é
assim que funciona.
Najla não resistiu a um sorriso
rápido.
— Tudo bem, vamos logo.
Ao se aproximarem do cemitério,
viram uma comoção e perceberam que os clérigos do templo de Khalmyr já estavam
investigando o estrago causado pelo combate do dia anterior.
— O que vocês fazem aqui? — Um
dos clérigos se aproximou do trio.
— Vamos ao norte. Iremos trazer
de volta o corpo do filho de Lady Denea pela graça de Thyatis! — Bolton tomou a
frente, montado em Meirelles.
— E por que não vão pela saída
das minas? — O clérigo perguntou.
— Queríamos ver como estava a
situação do cemitério, mas parece que vocês já estão cuidando disso. No entanto,
já que estamos aqui, pular o muro é o mais rápido. — Najla disse, como se
explicasse algo para crianças.
— Muito bem, então. — O clérigo
ainda estava desconfiado, mas se afastou e voltou a seus afazeres.
O trio pulou o muro e partiu rumo
às desconhecidas encostas da montanha ao norte de Thanagard, o terreno era
íngreme e escorregadio. Bolton mordeu o lábio e desceu de Meirelles.
— Desculpa, garota, mas vai ser
difícil para você passar aí.
A loba se aproximou dele,
esfregando o focinho em seu rosto.
O pequeno riu e a afagou.
— Calma, eu vou voltar o mais
rápido possível. Apenas espere, tudo bem?
A loba o encarou por algum tempo,
mas acabou se deitando, conformada.
Aron foi na frente, seguindo os
rastros deixados pelo inimigo, as vezes achava um galho partido ou leves
amassados em pequenos montículos de neve que ainda não tinham derretido. Não
parecia que o sequestrador de cadáveres estava muito preocupado em esconder
rastros.
Após quase uma hora, o grupo
chegou a uma estranha entrada em meio as montanhas, pareciam ter aproveitado
cavernas que haviam nas montanhas para criar algum tipo de templo.
Entraram no lugar, cautelosos.
Percorriam um corredor escuro,
úmido e sinuoso, quando viram viu um esqueleto que vinha em direção contrária,
porém, ele ainda não parecia tê-los visto.
— Então, vamos por aqui? — Aron
sussurrou, enquanto apontava para uma escadaria lateral.
Bolton já sacava sua espada e
Najla estendia as mãos. Os dois pararam no meio dos movimentos e se entreolharam,
concordaram com um aceno de cabeça e resolveram desviar do caminho com cuidado.
Após subirem as escadas, chegaram
a um espaçoso salão circular, contendo oito túneis e oito alcovas com
esqueletos acorrentados, cada uma entre dois túneis. Seus passos crepitavam,
uma neblina baixa os impedia de ver em que pisavam, mas quando investigaram,
viram que se tratava de ossos humanos.
Aron examinava os túneis, quando
tropeçou em um dos ossos e caiu, se apoiou nas mãos e olhou para o chão. De
repente, viu a face de um homem se contorcendo e choramingando para ele.
— Me mate! — O homem implorou.
Pela descrição que ouvira, Aron
imaginou ser Reyny Erix e levou a mão para tocar o rosto dele, quando piscou e,
da mesma forma que surgiu, o rosto desapareceu.
— Aron, tudo bem? — Bolton se
aproximou e ofereceu a mão para o meio-elfo se levantar.
— Estou, eu só... — Aron ficou
confuso. Estava enlouquecendo? Preferiu não comentar sobre a alucinação. — Não
foi nada, só tropecei.
— Mais atenção, moleque, a gente
não pode ficar fazendo barulho aqui. — Najla resmungou.
— Não é como se esses esqueletos
fossem sair da parede e nos atacar.
— Então... eu não teria tanta
certeza. — Bolton já estava com a espada na mão e apontava para a parede a
frente.
O esqueleto nela começava a se
soltar, os ossos rangiam enquanto ele avançava na direção do trio. Os outros
esqueletos faziam o mesmo, e o grupo começou a recuar e se posicionar para a
batalha.
Aron começou a disparar flechas
em todas as direções, elas se cravavam em crânios ou passavam entre costelas,
mas não faziam muito estrago. Bolton se arrependeu de não ter comprado o
martelo que queria e tentou se virar com a espada curta. A batalha foi difícil,
mas conseguiram desmontar os inimigos.
Ofegavam quando ouviram os passos.
Os três espiaram e viram o esqueleto que tinham visto no corredor entrar por
uma das passagens à direita do que o grupo veio. A criatura os ignorou por
completo.
Os três se entreolharam e decidiram
segui-lo.
***
Após subirem mais um lance de
escadas, o grupo chegou até uma pesada porta de madeira, onde o esqueleto
entrou, e o grupo tratou de entrar logo em seguida.
Lá, encontraram um grande templo
dedicado à Tenebra, a Deusa das Trevas, havia um altar dedicado a deusa e seu
símbolo de lua estava espalhado em todas as paredes.
O corpo de Reyny Erix repousava
sobre o altar de pedra, enquanto o morto-vivo que o levara aguardava a chegada
do grupo ao lado de quatro esqueletos armados.
— Ora, ora, parece que temos
jovens insistentes aqui.
— Apenas nos entregue o corpo e
sairemos. — Najla começou.
— E por que eu faria isso? Sabe,
eu preciso dele. — O morto-vivo cruzou os braços e suspirou. — Não deveriam ter
vindo.
— Não se deve dar conversa para
essas criaturas Najla! — Bolton bradou erguendo sua espada. — Morram vis
criaturas! Por Thyatis!
O halfling partiu para cima do
morto-vivo e foi completamente cercado pelos esqueletos. O chefe das criaturas
era ágil, desviou da espada do pequeno cavaleiro, e se afastou
Bolton tentou avançar, mas os
esqueletos travaram a passagem e começaram a golpeá-lo. Sem sua loba, ele não
conseguia bloquear e se desviar dos golpes.
Vendo a situação do companheiro,
Aron pegou o tridente que carregava nas costas. Tinha aquela arma como forma de
homenagear ao deus que cultuava, Oceano, o deus dos mares. Raramente a usava,
mas flechas não serviriam de muito naquele momento. Avançou e arrancou a cabeça
de um esqueleto, que caiu no chão, sem vida.
Bolton percebeu que mudar de alvo
seria o mais prudente por enquanto. Se virou e atingiu um dos esqueletos entre
as costelas, a espada destroçou a espinha da criatura, despedaçando-a.
Najla pôs a mão no rosto, aqueles
idiotas estavam perdendo a chance de negociar. Olhou para o morto-vivo e
percebeu que ele observava a luta dos aventureiros com seus esqueletos.
— Nós não precisamos lutar.
Apenas nos deem o corpo de Reyny Eryx
— Lamento desapontá-la, querida,
mas ele vai ficar.
O halfling sentiu o ardor na
barriga que indicava mais um corte de espada, se sentia cada vez mais fraco e
sabia que estava perdendo muito sangue, seus golpes ficavam cada vez mais
lentos.
Pulou para atingir um dos
esqueletos no pescoço e ficou satisfeito quando viu os ossos caírem no chão. Aron
derrubou a última das criaturas.
Os dois avançaram juntos e
rodearam o morto-vivo golpeando ao mesmo tempo. O atingiram várias vezes, mas
não foram capazes de fugir de seus ataques, Aron foi atingido na nuca pelo cabo
da adaga de seu oponente.
O halfling viu seu companheiro
cair e olhou furioso para o adversário, viu que estava num estado tão ruim
quanto ele e partiu para o ataque.
La atrás, a mulher recitava
orações, mas viu o momento em que um golpe do pequeno cavaleiro passou reto pela
criatura, o que abriu espaço para que o morto-vivo o acertasse com a adaga no
abdômen.
O halfling gemeu de dor e caiu no
chão, perdendo a consciência
— Pronto, agora pode pegá-los e
ir, se quiser. — A criatura se virou para a adversária, com um pequeno sorriso.
— Agora a negociação está
cancelada. — Ela sabia que ele estava nas últimas, então sacou sua espada.
A única que sobrara de pé do trio
segurou a espada com as duas mãos e se preparou, a criatura estava parada
olhando para a faca, então encarou a aventureira nos olhos e deu um sorriso
gentil.
— Vamos. Vá embora e leve esses
pobrezinhos.
— Não vou sair daqui até acabar
com você!
— Então é isso, vai morrer por
teimosia?
— Ó não, você vai morrer pela
minha teimosia.
Com um grito ela deu uma estocada
desesperada para a frente, conseguiu atravessar o peito do morto-vivo que
arregalou os olhos surpreso, ele não tinha percebido o quanto já estava
machucado pela batalha anterior.
A criatura acompanhou a lamina
devagar, subindo os olhos para o braço e então para o rosto da mulher, que pôde
jurar ter visto um pequeno sorriso antes que a espada saísse do peito dele e o
morto-vivo caísse no chão.
Najla olhou para os companheiros
e para Reyny, seria impossível carregar todos. Pegando tecidos das cortinas
próximas ao altar, que tinham símbolos da deusa das trevas, Tenebra, ela pôs
Bolton amarrado em uma e a prendeu as costas, como mães faziam com suas
crianças pequenas, jogou Aron em um dos ombros e saiu daquele lugar.
Não tinham conseguido trazer
Reyny de volta, mas sabiam onde ele estava, agora ela tinha que se preocupar em
chegar viva na cidade.
***
Com muito trabalho e muitos
momentos de descanso, a aventureira finalmente chegou ao cemitério de
Thanagard, onde pôde contar com a ajuda de Meirelles para carregar os
companheiros, ela levou todos para o albergue no setor sul da cidade no qual se
hospedaram, lá encontraram apenas Zanshow acordado.
Ele era o último integrante que
faltava do grupo, e talvez o mais exótico. Era enorme, tinha a pele esverdeada,
e carregava uma espada estranha, um pouco curva e com o gume em apenas um lado.
Era um orc... era um samurai...
era burro... era sábio.
— O que aconteceu?
— O que você acha? — A clériga
respondeu, cortando a conversa e se focando em recuperar os companheiros
desacordados.
***
Assim que terminou de pôr as ataduras
e fazer as preces para a recuperação deles, se deitou.
Zanshow olhou confuso para os
companheiros tão destruídos, mas sabia que era melhor deixar eles se
recuperarem antes de perguntar algo. Najla deixara isso bem claro.
No dia seguinte, Bolton e Aron
abriram os olhos e sorriram um para o outro ao ver que estavam no albergue
cercados por todos os companheiros, que ainda dormiam. Zanshow e Najla
acordaram logo em seguida e, devido a insistência do orc a clériga contou tudo
que tinha acontecido no dia anterior.
— Zanshow se perder. Zanshow não
achar companheiros. Zanshow perder batalha. — O orc balançou a cabeça,
indignado.
Logo depois, Meia-Noite acordou e
a história foi re-contada.
— Meia-noite ir com Zanshow em
ferreiro agora. — O samurai se levantou.
— Por que eu tenho que ir? — O
feiticeiro perguntou, surpreso.
— Porque Zanshow disse. — O orc
pôs as mãos na cintura.
Meia-Noite olhou confuso para os
outros e Aron cochichou em seu ouvido.
— Ele está com medo de se perder
de novo.
Segurando o riso, o humano acenou para o orc com a cabeça e os dois saíram, deixando o trio de combatentes conversando e Mira ainda dormindo.