— Vou ser sincero, tenho
pena de vocês.
Kouth flutuava perto do teto do
túnel, enquanto o resto do grupo chapinhava na imundície.
— Rá, rá, rá. — Foi o que Najla
se dignou a responder.
— Olhem só. — Aron interrompeu,
apontando algo no canto da passagem.
Era um ninho com ovos eclodidos.
— Isso são ovos de crocodilo! Que
legal!
— Vamos torcer pra encontrar só
ovos. — Earwen olhou ao redor, assustado.
Bolton não estava com eles. Tinha
decidido que o certo era relatar tudo que eles sabiam aos líderes do Templo de
Khalmyr, já que era o único templo daquele vilarejo.
Isso fez Héere torcer o nariz e
desistir de ajudar o grupo naquele momento. Não queria encontrar com os servos
de Khalmyr daquela cidade, e não precisou explicar o porquê, sua aparência já
era resposta suficiente.
Aqueles que, por fim, estavam nos
esgotos, continuaram andando mais um pouco e foram abordados por halflings
trajados de maneira estranha. Seus corpos estavam pintados, usavam apenas uma
tanga e uma pequena capa negra nas costas.
— Olá. — Zanshow começou, todo
pomposo. — Nós estar aqui pra uma pesquisa...
— De novo não! — O resto do grupo
gritou, mas já era tarde.
Os halflings sacaram suas armas
precárias e partiram para o ataque.
Zanshow tomou a frente enquanto
os outros atacaram de longe. Os pequenos foram rapidamente derrotados. Parecia
que todos estavam mortos, mas um gemido delatou um deles.
— Ótimo, teremos um guia. — Najla
bateu palmas, sarcasticamente.
— Eu não vou ajudar vocês. — O
pequeno se levantou, cuspindo.
O samurai o pegou pelo pescoço.
Arreganhou os dentes em um sorriso animalesco.
— Ter certeza disso? Gente miúda?
— E-eu... eu ajudo. — A pobre
criatura se resignou.
Rapidamente Earwen o amarrou e o
grupo seguiu, colocando o prisioneiro na frente para levá-los até seu
esconderijo.
Isso não durou muito...
Enquanto andavam, um barulho os fez olhar em volta. Antes que pudessem fazer algo o
halfling gritou.
Amarrado como estava, não teve
chance de fugir quando um grande crocodilo o abocanhou, quase devorando-o por
inteiro.
Outros quatro filhotes também
atacaram o grupo.
— Não! Esperem!
Aron tentou parar os colegas, mas
em poucos segundos os filhotes estavam mortos. Todos olharam para o meio-elfo
que caminhava em direção ao grande crocodilo. Parecia ter terminado de mastigar
a comida e fazia menção de atacar.
— Vocês acabaram de matar os
filhotes dela. Tem noção disso?
— Eles nos atacaram
primeiro — disse Kouth, apesar de estar voando, fora do
alcance dos animais.
— Eles não tem culpa. É o
instinto, nós invadimos a área deles. — Suspirou. — Agora fiquem quietos para
que eu resolva isso.
Ele continuou na direção da mãe
crocodilo. Gesticulava e grunhia, e por incrível que pareça, acabou dando
certo. O animal se acalmou e pareceu se apegar ao garoto com guelras.
Depois de um tempo, os dois
pareciam grandes amigos e, sorrindo, Aron se virou para o grupo.
— Pessoal, essa é a Croc, ela vai
com a gente.
— O quê? — Um coro em resposta.
— Vocês não podem reclamar. Olhem
o que fizeram. — Apontou para os corpos e o grupo suspirou, sem resposta.
— Tudo bem, agora que não temos
mais um guia... o que a gente faz? — Kouth perguntou, enquanto abria o mapa que
trazia.
Najla e Aron se aproximaram,
começaram a pensar sobre o caminho que seguiriam, e onde deveria ser mais
provável que o esconderijo do culto estivesse.
— Ganhei! Rá! Toma essa! — Earwen
apontou para Zanshow.
Os três que estavam discutindo
olharam para frente e viram que os dois estavam em um campeonato de pedra papel
e tesoura.
Percebendo o barulho que fizera,
o ladino olhou para os companheiros, recebendo olhares terríveis de volta.
— Foi mal...
Então começaram a ouvir passos
rápidos, algo corria na direção deles. Se prepararam e, quando a criatura se
aproximou o bastante, viram que era Bolton em cima de Meirelles.
— Como nos alcançou tão fácil? —
Aron perguntou.
— O cheiro do Zanshow.
— Até no esgoto? — O meio-elfo
olhava para Meirelles.
— Até no esgoto. — O halfling deu
tapinhas no flanco de sua parceira.
— Agora fiquei com pena dela... —
Deveria ser um cheiro realmente forte.
Voltaram a analisar o mapa, Kouth
o lia com facilidade e conseguia raciocinar lugares prováveis para se esconder
algo... como um culto.
Seguindo pelo caminho chegaram a
uma estranha alcova. Se aproximaram e Earwen notou dois tijolos soltos.
— É algum tipo de alavanca, mas
não sei como funciona.
— Então testar. — Zanshow sorriu
e ficou do lado dele.
Cada um segurou um tijolo e
puxaram juntos. Tudo girou e, de repente, os dois estavam em um corredor tomado
por gases venenosos.
Tossindo, eles se viraram e
puxaram os tijolos de novo, voltando para onde o grupo estava.
— Há um corredor do outro lado da
parede, mas está tomado por gases.
— Nós fazer algo errado.
— Talvez... — O ladino coçou o
queixo. — Poderíamos puxar só um deles.
— Earwen fazer as honras. — O orc
estendeu os braços na direção dos tijolos e sorriu.
O jovem revirou os olhos e puxou
um dos tijolos. Mais uma vez a alcova girou e ele foi parar no corredor, mas
dessa vez não havia gases.
Ele voltou, avisou que aquele era
o tijolo certo e o grupo fez a passagem aos poucos.
Percorreram o corredor escondido
e chegaram a um salão circular. Sem dúvida aquele deveria ser o covil do culto.
Morcegos se penduravam no teto, alguns absurdamente grandes.
Cerca de vinte soldados halflings
estavam a postos, prontos para atacar.
No fundo da sala, estava uma
figura sinistra, um halfling bastante velho, sentado em uma espécie de trono,
trajando uma estranha capa negra que cobria completamente suas costas.
— Quem são vocês? — Sua voz era
rouca e grave.
O grupo se entreolhou, ainda
estavam nas sombras e tinha certeza que os cultistas não conseguiam vê-los bem.
Ninguém sabia o que dizer, até que Najla respirou fundo e se adiantou.
— Queremos fazer parte do culto.
— Tirou o capuz.
Entendendo a deixa, Zanshow
também se adiantou, mostrando os dois metros de orc, músculos e presas.
O restante do grupo se manteve
atrás.
O velho riu e começou a tossir.
— Uma medusa e um orc? Serão de muita
ajuda para o grandioso Deus Megalokk.
— Então podemos nos juntar a
vocês?
— Há algo que devem fazer antes.
— Ele se levantou do trono. — O Deus-Morcego — disse, levantando as mãos para o
teto infestado das criaturas. — precisa de sacrifício. Tragam um digno e serão
aceitos.
A medusa fez uma reverência e
recuou. Todo o grupo foi andando para trás, devagar, até saírem de vista.
Depois disso...
Correram.
Voltaram o mais rápido possível
para a superfície, lá Héere esperava por eles, após contarem tudo o que
aconteceu ele se virou para Bolton.
— E os ditadores de Khalmyr?
— Ora essa, mais respeito. —
Bolton franziu o cenho.
— Respeitaria, se eles merecessem.
São um bando de preconceituosos que me matariam por ser diferente. Apesar de
seguir os ensinamentos do mesmo deus que eles.
— Eles não são...
— Bolton. — Najla interrompeu. —
Você lembra pelo que a Mira já passou? Não é diferente.
O halfling se resignou e olhou
firme para o lefou.
— Apenas falei das suspeitas a
respeito do culto, e que eu e meus companheiros investigaríamos mais a fundo.
Agora irei contar a eles o que aconteceu lá embaixo.
— Você vai mesmo envolver a
igreja de Khalmyr nisso? — Najla estava tão desconfortável quanto Héere.
— Eles precisam saber, e podem
nos ajudar.
— Olhem, — o lefou se virou para
o restante do grupo. — Tudo o que preciso é um pouco de sangue do líder do
culto, com isso posso fazer um ritual pra acabar com eles.
— Ainda precisamos do sacrifício.
— Najla cruzou os braços.
— E se fosse você, Héere? —
Earwen sorriu, o plano se formando em sua mente.
— Como assim?
— Fingimos te amarrar, e em um
momento oportuno você mesmo pode pegar o sangue.
— Eu aceito ser a isca. Mas se Sir.
Gylas aparecer tudo irá por água a baixo. — O lefou olhou para Bolton
— Eu vou tentar convencê-lo a
atacar depois que completarmos o plano. — O pequeno concordou com a cabeça.
Dizendo isso ele deu tapinhas no
pescoço de Meirelles, que começou a correr.
***
Bolton bateu na porta do templo e
foi recebido pelo crérigo com o qual conversara antes, o irmão Miglo.
— Descobrimos onde é o culto.
— Ótimo. — A voz veio de trás do
clérigo.
Um homem alto e forte surgiu, sua
armadura ostentava a grande balança com uma espada no centro.
— Estamos prontos para acabar com
isso, Sir. Bolton.
— Sir. Gylas. — O halfling fez
uma pequena reverência, que foi devolvida pelo paladino.
— Iremos atacar imediatamente.
— Se for possível, peço um pouco
de calma.
— Não entendo, Sir. Um culto
maligno deve ser destruído imediatamente.
— Sim, sim... eu sei. No
entanto..., — ele coçou a nuca, pensando como explicar a situação. — eu e meu
grupo pensamos em um plano que pode facilitar a destruição do culto. Só peço
que tenha um pouco de paciência. Trarei notícias assim que tudo estiver pronto.
— Se é assim, esperarei.
Se despedindo do clérigo e do paladino, Bolton
apressou Meirelles para avisar o grupo. Sir. Gylas aceitou esperar, mas o
pequeno sabia que aquela paciência seria curta.