— Vocês são
o antigo grupo de aventureiros da Mira e do Meia-noite, não são?
— Sim. — Bolton respondeu.
Ainda apreensivos com a figura
inusitada, o grupo começou a relaxar diante da expressão gentil e calma do
lefou.
— E a que devo a visita?
Kuoth tomou a frente e sorriu.
— Pensei que poderia
aprender um pouco aqui.
— Ó, um interessado nas artes
arcanas. Claro! Venham comigo. — Olhou para os outros que não tinham ligação
nenhuma com magia. — Bem, quanto a vocês, fiquem à vontade.
***
Algum tempo depois o qareen e a
medusa tentavam entrar no mundo das artes arcanas, enquanto Bolton treinava
Aron na arte da cavalaria. Mira estudava com afinco, sendo supervisionada de
perto por seu rigoroso mestre, Kuoth tinha dificuldades em entender a teoria da
magia.
— Sabem... acho que dou
mais certo com o meu jeito. Não sei como nem porquê, mas funciona. — Ele
riu.
Ouviu uma risada e olhou para o
lado, viu que vinha de Meia-noite e entendeu os resmungos anteriores do humano.
Ele estava incomodado com o método de Sayekk, Meia-noite não era um mago, era
um feiticeiro, como o qareen.
Najla tentou investigar os livros
do mago e encontrou um título um tanto quanto estranho, sua lombada dizia que o
livro tratava de magias de transmutação, mas a capa e o conteúdo falavam sobre
a Tormenta.
— Senhorita. Deixe esse livro aí.
Não toque nele. — O mestre de Mira foi curto e grosso. — Você precisa estudar
magias básicas antes de se especializar em algo.
— Claro, claro....
A medusa esperou o lefou virar de
costas e tentou pegar o livro de novo. Mas, muito nervosa, acabou derrubando
toda a estante de livros. O barulho chamou a atenção de todos, e até Bolton e
Aron se aproximaram.
Irritado, Sayekk foi até a clériga.
— Se afaste. — Começou a pegar os
livros do chão. — Olhem, não gosto de bagunça, e essa caverna é pequena. Podem
passar a noite aqui, mas sugiro que não demorem.
Com o clima tenso, o grupo
resolveu dormir e sair cedo no dia seguinte.
Após passarem uma péssima noite
no chão gelado e duro da caverna de Sayekk, eles se despediram de Mira,
Meia-noite e do mestre para partirem de volta, rumo a Thanagard.
Kuoth não conseguiu o que
esperava e eles já tinham aproveitado o tempo com os amigos. Era hora de voltar
a cidade problemática.
***
Andavam fazia algum tempo quando
foram surpreendidos por uma estranha neblina, mais densa que o normal. Com Aron
na frente, eles tentaram se manter no caminho. As brumas duraram quase uma hora
para começar a desaparecer, mostrando um homem estranho, apontando para o
grupo, assustado e gritando:
— Giorgio! Giorgio! Piú Giorgi!
Ele correu para um acampamento,
que também surgiu do nada, em meio às brumas que terminavam de desaparecer, e
quatro guardas vieram atender a seu chamado.
Os guardas começaram a falar, mas
o idioma era incompreensível. Os aventureiros começaram a olhar em volta e
percebeu que o acampamento, na verdade, era uma aldeia de ciganos.
Os guardas começaram a gesticular
para que os seguissem.
— Não acho uma boa ideia... —
Aron começou.
— Tem alguma outra? —
Kuoth caçoou, já não ia com a cara do meio-elfo desde o evento nos esgotos.
— Não, mas...
— Bolton? Najla? —
continuou, ignorando o companheiro.
O halfling e a medusa apenas
deram de ombros e resolveram seguir os guardas.
Enquanto eram escoltados, puderam
perceber que os ciganos produziam tranquilamente seu artesanato, além de comida
e outros tipos de produtos. Suas vestes eram coloridas e chamativas, e nenhum
membro do grupo havia visto um povo com este comportamento.
Os guardas levaram o grupo até
uma cabana de cor púrpura, ordenando que entrassem. Lá dentro, o rapaz que
haviam visto conversava com uma velha senhora. Com um gesto, ela sugeriu que se
sentassem, depois começou a realizar uma magia que nem Kuoth ou Najla souberam
identificar.
— Eu sou a Raunie dessa tribo.
— Você fala a nossa
língua? — Kuoth arregalou os olhos.
— Não, apenas usei uma magia de
tradução.
— Aaahh... — Os aventureiros
fizeram coro.
— E o que é uma Raunie? —
perguntou Bolton.
— Algo como um líder espiritual.
— Ela deu um pequeno sorriso e continuou: — Meu povo é conhecido entre nós
mesmos como "Vistani". O que vocês fazem aqui?
— Não sabemos, estávamos no
caminho para Thanagard e entramos nas brumas... quando elas começaram a sumir
estávamos aqui.
— Não conheço nenhuma
Thanagard..., mas se vieram das brumas isso explica as coisas.
— O que você quer dizer? —
Kuoth se inclinou para a frente, curioso. Isso o fazia falar ainda mais rápido
que o normal.
— O quê? — perguntou a velha.
— Ele pediu para você explicar. —
Bolton traduziu.
— Esse não é o mundo de vocês.
— O quêêêê???? — Mais uma vez o
grupo uniu as vozes, desta vez, completamente assustados.
— Caaalma, calma, meus jovens.
Posso levá-los de volta a seu mundo, afinal... — sorriu, gentilmente — vocês
são simpáticos. — Levantou um dedo. — E mais uma coisa, posso ler a sorte de
vocês.
Os quatro se entreolharam. Bolton
sorriu, leitura de sorte era nada mais nada menos que uma pequena profecia a
respeito da vida das pessoas, e ele adorava profecias, afinal elas eram uma
dadiva de Thyatis.
Os outros aceitaram. Já que
estavam ali, por que não?
Após sacudir um punhado de sementes,
pedras e miçangas, a Raunie jogou tudo em sua mesa, franziu o cenho.
— Estranho...
— O que foi? — Bolton se
preocupou.
— Vou repetir o que está aqui....
Mas já aviso que não compreendo o que significa.
Os convidados engoliram em seco,
atentos.
— "Durante o Império das
Carroças, quando o Leste se tornar Oeste e a Coroa de Prata cair em sangue, a
Cidadela Dourada será destruída".
No primeiro momento, todos
ficaram confusos. Não fazia sentido para ninguém. Mas a expressão do halfling
começou a mudar, ele ficou preocupado, pois sua cidade natal, a Colina dos Bons
Halflings, em Rongari, também era conhecida como A Cidadela Dourada.
— Precisamos descobrir mais a
respeito dessa profecia. — Ele disse, se levantando.
— Isso vai dar trabalho
— riu Kuoth.
— A gente sempre tem muito
trabalho... — Najla olhou para o chão e balançou a cabeça.
— Muito obrigado, Raunie. —
Bolton fez uma pequena mesura. — Agora poderia nos mandar de volta ao nosso
mundo?
— Sim... — A velha ainda parecia
refletir sobre o que viu nas sementes e pedras.
Todos foram para fora da cabana,
algumas instruções foram passadas aos membros da tribo e a Raunie iniciou o
ritual que devolveria o grupo a Arton.
Após quase meia hora de orações,
incensos, velas e bacias contendo água, ervas e óleos misteriosos, a velha
olhou para o grupo e apontou para fora da aldeia, onde as brumas surgiam de
novo.
— Se apressem.
Os quatro correram e adentraram
novamente as brumas, dessa vez elas desapareceram rapidamente e o grupo se viu
de volta no caminho que deveriam estar.
Algum tempo depois chegaram ao
local onde haviam escondido os cadáveres dos ursos, pegaram eles e voltaram
imediatamente a Thanagard.
Aliviados por retornarem à
segurança da cidade, o grupo se apressou a reportar o ocorrido à Lady Denea
Erix, que recebeu a notícia com um sorriso amarelo. Por algum motivo, aquele
grupo parecia tê-la tomado como “resolvedora” de todos os problemas.
— Hummm... não entendi sobre o
que estão falando, mas vou consultar Lady Throrin Rainarv, coordenadora de
assuntos arcanos de Thanagard.
O grupo ficou satisfeito com a
resposta e saiu da sala, a mulher suspirou e revirou os olhos.
Depois, Bolton entregou as peles
dos ursos ao anão ferreiro e abateu uma parte de sua dívida.
***
Mais tarde, enquanto almoçavam em
uma taverna, os aventureiros ouviram boatos sobre uma neblina estranha perto
das minas.
— Devíamos dar uma olhada. —
Bolton disse.
— Tenho compromisso, mas fiquem a
vontade. — Najla se levantou e saiu do local.
— Ela anda meio estranha... —
Kuoth franziu o cenho.
— Ela é assim mesmo..., mas
então, vamos?
Aron concordou com a cabeça, o
qareen deu de ombros.
Chegando ao local, foram
recepcionados por um guarda.
— Ficamos sabendo de uma neblina
estranha aparecendo por aqui. — Bolton disse, mas no fundo torcia para não ser
verdade, essa coisa de ir para outro mundo era estranha demais.
— Isso é boato.
O halfling deixou os ombros
caírem, aliviado. No entanto, Kuoth tinha os braços cruzados.
— Podemos verificar as
minas?
— Só com autorização expressa de
algum superior, mas posso acompanhar vocês pelas partes seguras.
Concordando, o trio seguiu o
guarda.
Na entrada, duas grandes estátuas
adornavam a enorme caverna. O homem encheu o peito e disse com orgulho.
— Este é Lorde Grjorne Erix, ancestral
de Lady Denea, descobridor das minas de prata e ferro e fundador do vilarejo de
Thanagard, hoje já podemos dizer que somos uma cidade de pequeno porte. E ao
lado dele, Sir Kario Grafson, ancestral de Sir Jaymon Grafson, paladino de
Khalmyr e primeiro regente de Thanagard.
— Uau... — Bolton arregalou os
olhos.
Kuoth segurou um bocejo.
Já dentro das minas, a estátua de
um anão também adornava o local, e o guarda a apresentou também, já sem muito entusiasmo.
— Esse é Mestre Hrusarimm Verren,
primeiro Minerador-Chefe das Minas de Thanagard, ancestral de Lorde Reidrimm
Verren, atual secretário de finanças da cidade.
O guarda parecia apressado,
passou rapidamente por algumas câmaras, como o refeitório e o depósito, sem nem
mesmo entrar nelas. Ao chegar numa espécie de salão principal, o grupo pode ver
a mina funcionando a todo vapor. Mineradores, em sua maioria humanos e anões,
brandindo suas picaretas, faziam um barulho ensurdecedor.
— Isso é tudo que posso mostrar a
vocês.
Sem mais o que fazer, o grupo concordou
com um aceno de cabeça e acompanhou o guarda de volta para a cidade.
No final da tarde, Aron, Bolton e
Kuoth decidiram armar uma armadilha para capturar mais ursos e lobos. Compraram
um porco para soltar nas montanhas e atrair os animais.
— Qual o nome dele? — Aron
perguntou, guiando o porco amarrado em uma coleira.
— Dele quem? — Bolton levantou
uma sobrancelha, segurando Meirelles, que parecia interessada até demais no
animal.
— Do porco, oras.
— Melhor não dar um nome,
você vai se afeiçoar ao bicho. — Kuoth, andava com as mãos atrás da
cabeça e olhava o céu.
— Mas ele precisa de um nome. — O
ranger insistiu.
— Ótimo.
O qareen virou o rosto para o
meio-elfo, um sorriso horripilante no rosto e os cabelos como fogo, mexendo com
o vento. Fez questão de dizer calmamente:
— Que tal... Bacon?