Durante nossa longa conversa foi
dado à Doji Haruki mais detalhes sobre os eventos daquela noite. Devo dizer que
foi bem difícil convencê-lo do que de fato aconteceu. Afinal, saímos daqui com
um simples furto e voltamos com uma maldição que poderia ameaçar toda a família
do Garça. Ele apenas começou a acreditar quando lembrou e, posteriormente a
isto, contou-nos de diversos pensamentos estranhos que teve alguns meses depois
de receber o presente. Segundo ele, no início, eram apenas pensamentos bobos,
sentimentos que poderiam surgir em qualquer pessoa normal, mas que com o tempo
foram piorando e tornando-se cada vez mais macabros.
Seus desejos iam desde impedir
uma transação entre Hida Samano e algum comerciante até pensamentos muito mais
intensos como planejar o assassinato de alguém que ia contra as suas vontades.
Ficamos surpresos com aquelas revelações, admitir pensamentos como aqueles era
motivo de preocupação, mas Doji Haruki nos deu a sua palavra dizendo nunca ter
cometido nenhum desses pensamentos, por mais que sua vontade fosse o contrário.
Kuni Karasu disse que aquilo
poderia ser um sintoma da maldição. Elas acontecem de forma diferente de pessoa
para pessoa e claro, também depende da própria maldição. Aquela em específico parecia
proporcionar esses pensamentos em quem mantinha o objeto, no caso, as espadas,
sob sua posse por muito tempo. Era realmente muito bom ouvir que o Garça não
foi levado por tais ondas de pensamentos. Claro que eu não estava convencido
disso, pois precisava de provas mais substanciais de tal coisa. Mandei uma
certa pessoa investigar para mim sobre aquilo assim que tive tempo.
Doji Haruki ficou bastante
impressionado com meu ato de sacrifício para não deixar que o Caranguejo fosse
tragado pelo portal do Gaki-dô. Foi, de fato, algo muito honrado e corajoso de
minha parte. Um ato que talvez eu não voltasse a fazer depois de analisar bem a
situação. Naquele momento eu tinha sido muito impulsivo, talvez se tivesse
parado para pensar um pouco mais eu não teria me atirado para a morte quase
certa. Haruki-dono não esperava que eu, um Escorpião, tivesse tal atitude. Era
fácil imaginar o Leão fazendo aquilo, não o Escorpião. Ninguém espera, essa
pode ser uma das vantagens que temos ao Nosso favor.
O Garça ficou muito contente com
nossa performance, ainda que muito intrigado com o envolvimento dos Seppuns em
toda aquela história, e nos ofereceu um lugar na comitiva que o levaria até
Tsuma. Ele tinha sido convidado pelo alto escalão do Clã Garça. Doji Haruki
tinha esperado por muito tempo um convite como aquele. Poderia ser que
finalmente fosse receber uma elevação de Status por seu trabalho duro pelo Clã.
Ele achou muito justo que as pessoas que o salvaram de passar uma vergonha sem
tamanho o acompanhassem.
Nós, é claro, aceitamos a oferta
de Doji Haruki, não havia como recusá-la. Era uma honra inimaginável para
qualquer um de nós. Claro que já iriamos até Tsuma, mas chegar na comitiva de
alguém importante como Doji Haruki, mesmo que de uma pequena importância, seria
muito boa para nossa reputação. Para o Garça aquilo era uma maneira de limpar a
própria consciência, ele agora nos devia muito e fazer aquilo era o mínimo.
Pedindo a licença ao chefe da
vila deixamos seu escritório para arrumar nossa bagagem. Eu não tinha trazido
muita coisa, mas precisava conferir minhas armas e tudo o que tinha gasto até
aquele momento. Precisava pedir para minha Sombra conseguir algumas roupas
nossas. Agora que eu estava usando meu quimono sobressalente, eu estava agora
praticamente sem roupas para vestir. Ainda tinha a questão que minha Sombra
estaria ocupada pelas próximas horas limpando a bagunça que fiz ao enfrentar
Ayumi, não poderia haver nada de suspeito ou a culpa do que aconteceu poderia
recair sobre mim. Não demorei muito para conferir tudo, como naquele momento eu
estava sozinho no quarto, pude me “preparar” com mais calma. Ao sair do quarto
pude sentir o piso de madeira tremer enquanto ouvia o som de pesados passos
vindo em minha direção. Eram passos largos e cheios de determinação, parecendo
uma manada de bois correndo em minha direção. Ouvi, então, uma conhecida voz
chamar por meu nome em um timbre alto e cheio de força, parecia tentar
intimidar-me. Abri um largo sorriso e olhei por cima do ombro para ter certeza;
Kuni Karasu chamava por mim.
— Shosuro! – disse zangado.
— Qual o problema, Kuni? – eu
sorri.
Eu virei em meus calcanhares e
tive que levantar um pouco a cabeça para fitar profundamente os olhos do
Caranguejo, que era levemente mais alto. Ele me olhava fixamente e se
aproximava muito, querendo se mostrar ainda maior do que já era. Continuei
apenas sorrindo, o olhando bem nos olhos e avancei um pouco mais para frente, o
forçando a recuar um pouco para trás. Eu poderia ter ficado com receio de ele
agarrar meu quimono naquele momento, mas depois de o observar por uma noite, eu
sabia que ele não o faria.
— Como você pode fazer aquilo? -
ele disse olhando para mim.
— Fazer o que? – eu fingi
ignorância apenas para ver uma veia dele saltar.
— Como assim o que?! – ele
perguntou – Você...
Ele parou de falar quando escutou
alguns passos ecoando pelo corredor e ficou tenso. Olhando por cima do ombro,
vi uma jovem serva da casa passando pelo final do corredor. Seus olhos estavam
arregalados e nos olhava de forma apreensiva, mas quando meus olhos cruzaram
com os dela, a serva imediatamente baixou os olhos. A mulher fez uma trêmula reverência
e saiu apressada com medo de ser repreendida por um de nós dois. O Kuni apenas
relaxou quando já não conseguia mais ouvir os passos da menina. Seus olhos
voltaram-se novamente para mim riscados pela raiva e sua pele foi tomando um
tom levemente mais avermelhado.
— Mentira? - eu completei com um
sorriso – qual o problema?
— Qual o problema?! - ele pareceu receoso – Se eles descobrirem
sobre isso, nós estaremos em maus lençóis.
— "Se eles
descobrirem", até lá, não vejo motivos para exaltar-se – eu sorri me
afastando - além disso, esta "mentira" é muito melhor para as duas
vilas do que a verdade.
—Eu não poderia esperar menos de
um Escorpião - ele deu-me as costas – sempre buscando uma maneira de justificar
suas mentiras. Mentiras não são coisas boas, nunca foram.
— Justificar uma mentira? - eu ri
– Não há porque justificar uma mentira que beneficia as pessoas ou duas vilas
inteiras. O que fizemos não mudará as coisas para apenas dois homens, mas para
centenas.
— Hunf – ele deu um passo para
frente – Nada de bom virá dessa mentira.
— Oh, então é isso que você acha?
– Eu dei um passo para frente e olhei-o nos olhos – Só porque você não pode ver
não significa que não existe, mas fique tranquilo, você verá. Quando o tempo
desejar.
O caranguejo apertou os olhos
ainda mais, suas sobrancelhas baixaram e ele me olhava fixamente. Suas narinas
dilataram e eu pude até mesmo ouvir os ossos em seus punhos estalando pela
força que ele aplicava. Meu sorriso apenas ficou mais largo vendo-o em um
dilema. Fui lentamente virando o rosto oferecendo-o para que batesse, sim, de
fato um ato muito atrevido de minha parte, mas o fiz apenas porque sabia que
ele nunca o faria. Primeiro, porque eu já pude experimentar um pouco da força
de vontade do sujeito em minha frente e segundo porque aquilo seria uma vitória
para mim. Nunca um Caranguejo daria uma vitória para um Escorpião com as
próprias mãos, não se ele soubesse o que estava fazendo, é claro. Ele respirou
fundo e afastou-se um pouco com o corpo, o inclinando para trás e limpando a
mente para tentar controlar-se. Ele olhou para mim, o canto direito de sua boca
subiu um pouco em um meio sorriso e o queixo dele levantou-se um pouco.
O que ele mostrou para mim não
era um sorriso amigável. Um meio sorriso como aquele que tinha feito, indicava
apenas uma coisa; Desprezo. Ele afastou-se um pouco mais de mim e virou-se nos
próprios calcanhares para sair. Apenas quando ele já tinha sumido no fim do
corredor, eu segurei um riso e continuei caminhando para fora da casa de Doji
Haruki como já teria feito se não tivessem tomado meu tempo.
Caminhei até a casa de chá do
outro lado da rua e sentei-me para aproveitar um pouco a refrescante sombra.
Não demorou muito para um heimin vir atender-me. Olhei bem para ele para ter
certeza se era a pessoa certa para que eu estivesse falando. Olhar era algo que
realmente não havia nenhuma necessidade, eu podia sentir se aquela era ou não
uma pessoa que eu poderia entregar o que eu queria entregar. O Hemin fez uma
longa reverência a mim e fitou meus olhos. Um sinal bem claro.
— Qual o seu pedido, meu senhor? – ele disse fazendo uma longa reverência.
Continuei com o sorriso enquanto
olhava para ele.
Fiz o meu pedido e coloquei sobre
a mesa um papel. Antes eu tive certeza que ninguém estava olhando para mim. Um
pouco de precaução nunca é demais. O Heimin tomou o papel nas próprias mãos e
escondeu o envelope em suas roupas. Junto ao envelope havia um pequeno pedaço
de papel contendo: “Entregue isso a você sabe quem”. Quando o Heimin já estava
para sair, Akodo Ryu apareceu e juntou-se a mim. Ele pediu a mesma coisa e o Heimin
anotou o seu pedido, saindo em seguida.
— Entendido, meu senhor – o Heimin
disse.
Ele curvou-se longamente até que
suas costas alinharam-se com a cintura e partiu na direção da cozinha. Akodo
Ryu tinha um olho muito afiado para detalhes e algo naquele Heimin pareceu
chamar sua atenção; um homem definitivamente assustador. Tive que chamar-lhe
atenção para que parasse de pensar no serviçal que havia acabado de sair. Não
que ele fosse descobrir algo importante, mas seria melhor acabar com sua
indagação mental.
— Você queria falar comigo,
Akodo-san? – eu perguntei.
— Sim, sim – ele disse voltando a
atenção para mim – Karasu-dono parecia irritado com algo. Você sabe de alguma
coisa?
— Karasu-san? - eu olhei para
cima pensando em algo - Não faço ideia, talvez ele esteja há muito tempo entre
Garças.
— Hmmmm – ele cruzou os braços,
pensativo – talvez seja isso mesmo. Nunca vi um Garça e um Caranguejo se dando
bem.
Ele gargalhou quando finalmente
notou isso. Garças e Caranguejos não se dão muito bem. Para os Garças, Caranguejos
são brutos e desajeitados, rolando na lama e comendo poeira naquela Muralha que
chamam de “Lar”. Para os Caranguejos, Garças são tão delicados quanto flores e
afeminados demais para serem guerreiros. Claro que toda a intriga entre os Clã
não começou por causa de uma troca de insultos. O que você acha que os Clãs
são? Crianças? Bem, olhando por esse lado isso não é uma inverdade tão grande.
Eu posso falar um pouco mais sobre essas intrigas em um futuro não tão
distante, até lá, guarde a sua curiosidade ou simplesmente vá até uma
biblioteca Fênix e procure a história da Guerra dos Clãs.
Ryu-san e eu conversamos por
algum tempo até que outro Heimin trouxe o nosso pedido. Ryu-san desta vez deu
uma olhada mais atenta àquele servo, mas não pareceu encontrar nada de
suspeito. Ele estava dando uma olhada muito detalhada, até notar que tratava-se
de uma garota. Olhei para ela e não me pareceu tão atraente assim. Ela tinha um
rosto comum, não muito fino, as bochechas eram levemente rechonchudas, seus
cabelos não tinham um tratamento tão bom; o que eu esperava? Servos não
ganhavam tão bem para poder gastar com a própria aparência. Talvez se ela fosse
patrocinada e treinada apropriadamente, ela pudesse tem uma aparência razoável.
Em meio a minha indagação pessoal,
percebi que não era para o seu rosto que Ryu olhava, claro, ela não era tão
bonita assim para ficar sendo admirada tão avidamente. O Leão, é claro, olhava
para outro ponto que talvez a fizesse destacar-se um pouco mais que as outras;
seu corpo. Eu olhei apenas para ter certeza e sim, pode-se dizer que ela tinham
um quê de sensualidade, mas não era algo que me deixaria atraído por ela.
Quando ela percebeu nossos olhares, baixou a cabeça envergonhada e curvou-se
afastando-se da mesa.
— Eu devo me desculpar com você,
Escorpião – ele disse – eu achei que tinha fugido da batalha quando viu todos
aqueles bandidos.
Ele baixou a cabeça para
desculpar-se e pude notar suas bochechas levemente coradas. Deixe-me explicar
algo para você. Em nossa sociedade não é considerado má educação ou
“fragilidade” um Samurai demonstrar seus sentimentos quando está se desculpando
com alguém de mesma posição social ou até mesmo superiores. Pelo contrário, é
considerado uma coisa boa. Revela seus reais sentimentos sobre a questão. Claro
que algumas pessoas conseguem simular tais sentimentos, como atores,
principalmente os Atores Shosuro, pois são treinados para isso. Samurais
comuns, no entanto, fazem isso naturalmente para demonstrar que estão falando a
verdade.
O Leão ficou assim por alguns
segundos e deu um leve tapinha em seu ombro. Ele me olhou intrigado, erguendo a
sobrancelha sem entender. “Está perdoado, Leão”, eu disse dando-lhe um sorriso
amigável. Ele ficou sério por alguns segundos, mas não conseguiu conter o riso
enquanto notou estar chamando muita atenção para nossa mesa e isso estava me
incomodando um pouco.
— O que me lembra... – ele disse passando
o indicador no olho, secando uma lágrima de diversão – Onde você aprendeu a
lutar daquele jeito?
— Você fala sobre a dupla
empunhadura? – perguntei tomando um gole de chá.
—Sim, eu não sabia que seu Clã
tinha esse tipo de técnica de luta – ele pegou um bolinho e o apertou entre os
dedos antes de levar à boca - É bem interessante, se me permite dizer.
— Eu devo agradecer então, mas
ela não é uma técnica passada na Família – pousei a xícara calmamente sobre o pires
– Aquilo é algo que eu mesmo desenvolvi.
— Nesse caso, você tem a minha
admiração, meu amigo – ele disse – Eu já vi os Dragões usando duas espadas, mas
não duas do mesmo tamanho.
— Bem, eu devo agradecer a muitas
pessoas pelo nascimento desse estilo de luta – sorriu o dizendo -Minha mãe me
ensinou a lutar com o leque de guerra nas terras dos Matsu.
— Nas terras do Leão? – ele
piscou – Sua mãe é um Membro do Clã Leão?
— Surpreendente, não?
Perguntei dando um sorrio,
acostei-me melhor à cadeira e contei para ele sobre minha honorável mãe. Apesar
de eu não ser exatamente o tipo de filho que sonhou, ela nunca negligenciou meu
treinamento com armas, mas eu gostaria que tivesse. Seu nome era Matsu Kikyo,
uma das mais conhecidas guerreiras do Leão, como qualquer Matsu ela se recusou
a ter um casamento político e casou-se com meu pai. Eu sempre a indaguei do porquê
uma Leão casou-se com um Escorpião, mas tudo que ganhava como resposta era “O
crápula do seu pai me enganou”. Minha mãe era uma mulher adorável, ela me
mataria se ouvisse falando isso, mas não muda esse fato. Adorável quando não
estava treinando, eu quero dizer, porque no momento que pisava no dojô, ela
tornava-se a personificação do Bushidô. Pode parecer clichê para você, mas ela
era muito mais severa comigo que com qualquer outro de seus discípulos, que não
eram poucos. Talvez ela achasse que poderia limpar o sangue Escorpiônico de meu
pai das minhas veias através do treinamento. Poderia até ser impossível, mas
não faltou-lhe desejo de continuar tentando.
Acredite se quiser, minha mãe
continuou dando aulas de Kenjutsu até poucas horas antes de eu nascer. Ela
dizia que isso faria seu filho nascer um gênio e para ser seu filho isso era o
mínimo. O que eu poderia dizer, além de que funcionou? Certo, eu não sou um
gênio como ela queria, mas eu estava muito acima da média. Fui criado por ela
até que mostrei habilidades compatíveis com o que sou agora e não preciso dizer
que isso foi como uma facada nas costas da mulher, certo? Eu gosto do que faço,
o problema é que ela não e isso se refletiu em meu treinamento, tentando me
fazer desistir de ser um Ator, mas parece que ela não conseguiu. Devo agradecer
a essa insistência dela para que eu desistisse, afinal, isso poliu minhas
habilidades de Kenjutsu. Talvez eu seja um dos poucos discípulos de minha mãe
que consegue lutar com ela a sério e não ter uma derrota desastrosa.
Akodo Ryu escutou minha história
sobre Kikyo, impressionado, assim como muitos Leões, ele admirava Kikyo-sensei,
mas achou minha habilidade insuficiente já que tive meu treinamento com ela. Eu
ri com sua observação e tive que explicar. Eu treinava com ela o tempo todo,
mas sempre dava um jeito de escapulir para me encontrar com as alunas dela,
demorou um tempo para minha mãe perceber e creio que ela descobriu quando me
deixou um mês afastado do dojô. A reação dele foi um pouco inesperada. Akodo Ryu
envergonhou-se um pouco de dizer que também fez o mesmo em várias ocasiões.
Devo defender-me, no entanto, apesar de minhas habilidades serem insuficientes
para estar no patamar de um discípulo daquela mulher, isso se dá ao fato de que
eu não iria demonstrar tudo o que eu podia para pessoas que tinha acabado de
conhecer. Eles não sabiam se eu de fato havia derrotado Ayumi-sama, muito menos
você. Você, meu caro, ouviu a minha versão da história, pode não acreditar
nela, isso é um direito seu. Mas um fato não deixa de ser o que é apenas porque
ninguém acredita, eu sei, e isso é o bastante para mim.
— E como está a sua relação com
ela hoje? – ele perguntou curioso.
Eu sabia desde o começo onde essa
curiosidade em relação a minha mãe levaria, não era tão difícil de ver. Minha
mãe, como já tinha dito, era muito admirada em seu Clã, muitos pagariam
fortunas para serem treinados por ela e seriam sumariamente ignorados.
Lembro-me de uma vez que minha mãe recusou-se a treinar o filho de um homem
muito importante para o Leão. Claro que isso foi um problema sem tamanho, mas
minha mãe continuou firme em sua posição. Kikyo é uma mulher de personalidade
muito forte e não iria recuar apenas porque alguém mandou que recuasse, ela era
uma Matsu. O homem ficou muito irritado, mas não pôde fazer nada, minha mãe
nunca treinaria alguém sem talento, isso faria ela perder sua dignidade. Tenho
certeza que mesmo eu, sendo do seu sangue, teria sido recusado caso não tivesse
talento.
— Eu fiquei um longo tempo sem
ver minha mãe – eu suspirei olhando para o teto – Estava sempre atolado de
trabalho entre uma Peça e outra, fica complicado pagar uma visita a ela assim.
— Eu entendo – ele disse abatido
– Você deveria tentar visitar ela depois, ela provavelmente ficaria feliz, certo?
Tive que concordar com ele, mas
devido a natureza de meus trabalhos como Ator, eu estava constantemente
viajando pelo Império me apresentando e fazendo alguns trabalhos que não lhes
convém contar. Eu teria de esperar que uma das minhas apresentações ou algum
pedido de minha senhora me levassem às terras das Matsu, então eu poderia
visitá-la. Você deve entender eu não sou um filho ruim para minha mãe, mas
assim como qualquer um da casta Samurai, eu tenho meu Dever.
— Você foi impressionante por ver
aquela emboscada – eu falei para ele com um sorriso.
— Bem, faz parte do treinamento
do meu Dojô - ele cruzou os braços balançando a cabeça - Normalmente em um dojô,
nós somos divididos em dois "exércitos". Na época da guerra de
verdade, nosso treinamento é em batalha, mas em períodos mais tranquilos como
esses fazemos simulações.
— Isso parece difícil – eu respondi servindo chá para nós dois.
Ele concordou, esses treinamentos
os preparavam melhor que qualquer outro para um campo de batalha real, afinal,
o Clã Leão é conhecido por ser o Clã mais Bélico dos Clãs Maiores.
O meio dia veio rápido e nós
ficamos conversando um pouco mais até que a serva pessoal de Doji Haruki veio
ter conosco. Os preparativos para a viajem estavam prontos e partiríamos amanhã
pela manhã, pois Doji Haruki ainda tinha coisas para resolver antes de deixar a
vila. Akodo Ryuu saiu primeiro, ainda precisava arrumar suas coisas antes de
irmos. Eu fiquei mais um pouco, pois eu não visitaria aquele lugar por algum
tempo.
Não sei mais como a cidade ficou
depois da morte de Doji Haruki vários anos depois, seu filho assumiu o comando da
vila e como seu pai prometeu, nossa amizade durou até o fim de sua vida. Quando
fiquei sabendo da morte do antigo daimiô, eu fui em uma visita para prestar o respeito e foi lá que fiquei
sabendo que as relações entre Tochigi e Washimazu melhoraram muito.
Um guarda entrou rapidamente pela
porta em suas mãos uma carta endereçada à Hida Samano. O daimyo estava tomando
sua sopa quando viu o guarda entrar, ele ergueu os olhos irritado, não gostava
de ser interrompido no meio das refeições. Seu primeiro pensamento foi jogar o
tetsubo contra aquele guarda insolente, mas vendo como ele ficou parado
esperando ele terminar de comer, Samano o perdoou.
— Então...? - Samano perguntou
limpando a boca – qual o problema?
— Meu senhor, esta carta chegou
agora a pouco, Jiro veio dá-la a mim – ele falou firmemente – pedindo-me que eu
o entregasse.
— Jiro? - ele ergueu as duas
sobrancelhas e estendeu a mão para pegar a carta – Traga-o até mim.
— Sim, meu senhor – o guarda
falou curvando-se.
Não demorou muito tempo até que o
guarda voltasse trazendo o Heimin que cuidava da pousada arrastado pelo braço.
O Heimin estava assustado e tentava se soltar do aperto de ferro em seu braço,
mas com aquele corpo franzino era impossível escapar das mãos de seu captor.
Levado até os pés de Hida Samano, o Heimin olhou para a carta e imediatamente
entendeu, ele curvou-se até o chão encostando a cabeça no concreto.
— Meu senhor! - ele gaguejou tornando quase impossível
entender o que disse.
— Jiro, o que é isso que você
mandou dar para mim? - Samano perguntou balançando a carta no ar.
— Eu...Eu não tenho ideia meu
senhor – ele apertou um pouco mais o rosto ao chão - um viajante me entregou no
começo da tarde e pediu para que o entregasse.
—E por que não entregar
diretamente para mim? - o homem gordo estreitou o olhar.
—A pessoa que o entregou pediu
que fosse assim – ele tremeu imaginando que tipo de olhar seu senhor estava
dando para ele – quando eu o perguntei ele também não sabia quem o entregou.
Hida Samano ficou irritado com
aquilo. Como alguém poderia entregar uma carta sem saber de quem veio? Ele deu
um soco no braço de sua cadeira que rangeu e por pouco não se despedaçou.
— Me-meu senhor, o homem disse
que alguém o entregou na estrada – o Heimin estava tremulo, quase chorando – um
homem o parou perguntando se estava vindo para cá e pediu-lhe um favor
"Entregar para o Heimin na pousada de Wachimazu e peça-lhe para entregar à
Hida Samano".
— Que historinha mais mau contada
– ele, o guarda, olhou para a carta – Dizendo assim parece que esse
"viajante" não sabia que Hida Samano é o senhor dessa vila.
— Provavelmente ele não sabia – o
Hemin continuava com a cabeça no chão com a voz trêmula- ele não parecia ser dessa
região, nunca o vi antes.
—Onde está esse viajante? - Hida
Samano perguntou.
— Ele partiu depois de me
entregar a carta – o Heimin respondeu – ele disse estar indo para as terras da Fênix.
Hida Samano viu que não teria
jeito de confirmar essa história tão absurda e abriu a carta, ele passou os olhos
pelo papel e respirou fundo:
Boa noite, senhor Samano.
Espero que esteja muito bem de saúde.
Recentemente, fiquei sabendo de alguns incríveis boatos sobre a sua pessoa e
para ser sincero nunca esperei que um Caranguejo tivesse um coração tão gentil.
Para me redimir com o senhor me permita dizer-lhe algo; em não mais do que um
mês, Doji Haruki deverá estar lhe mandando um mensageiro pedindo para
encontrar-lhe, e recomendo que aceite a proposta.
Mas quem sou eu para recomendar um lorde?
Talvez isso nunca aconteça, mas a minha aposta é que irá. Junto à ele, um sutil
presente meu estará indo para as suas mãos, cabe ao senhor usá-lo da maneira
que quiser. Espero que tenha uma vida longa e em paz.
Um amigo.
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Nota do Autor:
Gostaria de desculpar-me com meus leitores por estar demorando algumas horas a mais antes de postar a Memória semanal, nunca achei que manter a qualidade e a quantidade de palavras que costumo postar seria tão trabalhoso. Minha revisora está tendo muito trabalho para deixar toda a obra nos eixos e gostaria de agradecê-la por isso. Agradeço também a todos que tiram um pouco do tempo para ler estas Memórias e gostaria de fazer um pedido, se for possível é claro. Gostaria de receber um Feedback de cada leitor, pode sim dar um pouco de trabalho para os senhores e senhoras, mas seria algo muito valioso para mim. Esta história é a primeira que ousei, como autor, postar e gostaria de saber se estou indo no caminho certo. Outros histórias minhas podem aparecer no futuro na Saikai; sim eu tenho algumas outras já em mente.
Desejos a todos uma ótima semana e agradeço novamente a todos os que leram até aqui.