Assim que o Hiruma deu um passo à frente, uma
aljava com três flechas e um arco brotou do chão, feitos da mesma massa que os
cavalos e o guerreiro. Das costas do boneco de barro um arco foi sendo formado
pelo aglomerado de areia e uma aljava idêntica à que surgiu para Hiruma Seta se
formou. O guerreiro de areia subiu habilmente no cavalo e ficou em posição
esperando para que o adversário fizesse o mesmo em total silêncio. Seta subiu
no animal e ambos se posicionaram onde seria a linha de largada. O dragão
esperou que o Hiruma ficasse pronto e então deu início a prova. O caranguejo
ficou um pouco atrás inicialmente, mas conseguiu alcançar o adversário em
poucos segundos.
Conforme aproximou-se do primeiro alvo,
Seta bateu os calcanhares no flanco do animal e prendeu-se firmemente ao cavalo
com os joelhos. Puxou a corda do arco e apontou. Seta disparou momentos antes
da ponta da flecha alinhar-se perfeitamente com o centro de algo e o projétil
voou certeiro no meio dele, porém a flecha adversária veio acertando no mesmo
lugar. Foi uma cena quase de contos fantásticos, por pouco aquela flecha não
rasgou a seta que o Caranguejo havia disparado.
Milimetricamente acertando a flecha do
adversário, o projétil do guerreiro de terra derrubou-a, tirando-a do alvo.
Claro que aquilo não contava como um erro, mas de algum jeito, parecia uma forma
de provocar o Hiruma. Felizmente, o Caranguejo não passou anos viajando as
terras Sombrias à toda. Suas memórias de coisas terríveis e anormais naquelas
terras malditas o deixaram calejado e de cabeça fria. Ele não se importou tanto
com aquela aparente provocação medíocre.
Hiruma Seta virou os olhos para o
percurso e curvou o corpo para reduzir o contato com o ar. Aquilo não era bem
uma técnica ou algo assim, mas algo que só era possível com uma certa prática.
Apenas curvar-se não era o suficiente para fazer o animal obedecer de forma tão
bem-feita. Havia um certo laço entre animal e homem, esse laço fazia o animal
reagir da forma esperada e avançou à toda. Há de se imaginar que aquela
montaria tinha sido projetada especialmente para ambos os competidores, pois
mesmo sem um laço emocional a montaria obedecia à ambos de forma perfeita.
Ainda assim, mesmo com aquela
velocidade tremenda que havia conseguido, Hiruma Seta viu seu adversário
passa-lo facilmente. O Hiruma olhou por cima do ombro confuso, ele não era como
os Unicórnios que haviam nascido em uma sela, mas tinha orgulho de sua forma de
montar. O caranguejo pensou se aquele dragão estava trapaceando de alguma
forma, mas ele logo deixou o pensamento de lado, não havia porque ele fazer
aquilo. Deveria se concentrar agora em vencer a prova, mesmo que houvesse algum
tipo de falcatrua por trás de tudo aquilo, vencer provaria sua força. Seta
aprontou-se para disparar e o fez com a mesma precisão de antes, mas ele
precisava ser mais rápido. Instigou o animal a correr mais e mesmo com alguma
relutância ele conseguiu que respondesse ao seu desejo. Seta conseguiu chegar
primeiro, por muito pouco, disparou uma flecha que foi certeira no centro do
alvo e ouviu o som da corda do arco do avatar estourar. Seta continuou o galope
até cruzar a largada e desceu do cavalo.
― Você disputou bem e demonstrou uma
vitória espetacular – o dragão disse enquanto da terra pilares de madeira
cresciam e formavam uma porta corrediça por onde eles poderiam passar – Não
falta muito para sua jornada chegar ao fim.
Antes de voltar para o mar de estrelas,
o ser místico olhou para Akatsuki e seus olhos fizeram contato. Ela baixou a
cabeça fazendo um sinal positivo enquanto balançava a cabeça e um fio de
lágrimas cortou através de sua bochecha. O portal levou-os através de um
psicótico túnel mal iluminado e imagens desconexas enfeitavam suas paredes.
Rostos distorcidos pela dor, medo, ódio e histeria; chamas e batalha eram o
plano de fundo e imagens de desmembramentos brutais tão vivos que pareciam
acontecer de verdade. Criaturas derivadas dos mais obscuros contos antigos
rasgavam e devoravam Samurais que lutavam por suas vidas. Não apenas imagens,
mas sons também empestavam aquele longo corredor; gritos desesperados e
retorcidos de pavor tão comuns que não eram perdoados pelos demônios. Por trás
daquilo, como se comandasse toda aquela chacina, havia uma enorme sombra negra.
Sua aura pestilenta emanava uma força incalculável, um brilho tirânico e louco
iluminava seu rosto risonho, debochando das torturas que seus servos espalhavam
pela terra. Ao fim do corredor, em uma porta de madeira, havia uma pintura.
Pintada ao que parecia sangue fresco, vários corpos mortos convergiam para uma
enorme mão que partia em direção ao sol tentando agarrá-lo, mas o Astro parecia
resistir queimando a enorme mão.
A porta abriu-se pesadamente em um
rangido velho dando vista para um amplo salão. Quatro grossos pilares
sustentavam o teto coberto de sombras, dando a impressão de ser infinitamente
alto. Lanternas flutuantes, como balões, distribuíam luz pelo salão, mas o
vermelho sangue e o negro dos tecidos e das paredes tornavam-nas ineficientes
para iluminar apropriadamente. As sombras eram ainda maiores devido aos vários
tecidos que pareciam pendurados ao teto, e mesmo sem nenhuma brisa eles
dançavam ao som de uma música inexistente. Por entre as colunas de tecido havia
uma mulher sentada em uma confortável almofada negra. Seu quimono era vermelho
e branco, sua obi não segurava tanto o quimono o deixando sensualmente aberto e
levemente caído pelos ombros. Nos lábios, vermelhos como sangue, ela tinha um
longo kiseru prateado encrustado de Jade. Seu rosto era fino e delicado, uma
boneca de porcelana que as fortunas haviam agraciado com a vida. Abriu um longo
sorriso quando viu os que entraram, nada escapava de seus afinados olhos negros
por trás daquela fina máscara que cobria seus olhos.
Ao seu lado, sentando sozinho de frente
para uma fileira de almofadas brancas havia um garoto. Ele parecia nervoso e
recatado, mas seus olhos lhe traíam. Ele olhava com olhos lascivos para a
mulher, discretamente, porém como dito antes, nada escapava dos olhos dela. Ela
não parecia incomodar-se nem o reprimir, apenas deixava que tivesse um
deslumbre maior de seu corpo. Movia-se um pouco afrouxando o toque do quimono
sobre a pele, revelando-a ainda mais, mas sempre que o tecido parecia ir
revelar muito mais ela parava e delicadamente, com os dedos, arrumava as
roupas.
Ryu afastou uma coluna de tecido para
ter uma visão melhor e notou aquela mulher. Ele parecia ter encontrado ela
alguma sala antes desta, sua beleza era algo inconfundível, então rapidamente
ele lembrou. Bayushi Kachiko, a mulher a qual Shosuro Ichijou prostrou-se
prestando devido respeito como sua ancestral. Assim como o Leão, a Ancestral
Escorpião pareceu reconhecer alguns deles e demonstrou um sorriso de
boas-vindas, porém sua expressão mudou quando notou a falta de alguém. Não
parecendo acreditar em seus próprios olhos ela passou a visão novamente por
cada um deles e franziu as sobrancelhas quando tornou a olhar fixamente para o
Leão.
― Onde está a minha criança, Leão? –
seus olhos esteiraram-se perfurando o peito de Ryu como flechas.
― Sinto muito, minha senhora – Akodo
Ryu inconscientemente curvou-se em um pedido de desculpas – Shosuro Ichijou
pereceu em batalha, dando sua vida para que pudéssemos partir em segurança ante
ao inimigo.
A Escorpião de um suspiro de
aborrecimento e sussurrou algo que ninguém ali foi capaz de escutar; seu rosto
não demonstrava tristeza, nele havia apenas um descontentamento. Ela não
parecia ligar para heróis, nenhum Escorpião de verdade realmente liga. Heróis
morrem por motivos fúteis; deixe que os chamem de covardes, não há nada de mal
nisso, é como eles dizem. No fim, apenas eles estarão vivos. Um servo surgiu
das sombras e sussurrou algo no ouvido dela que fez sua expressão carrancuda
mudar. Ela voltou a abrir um sorriso e mandou que ele se retirasse; aquela
expressão ficou visível apenas por um momento e o Leão conseguiu percebê-la,
porque inconscientemente a beleza da mulher a sua frente tragou seus olhos, em
instante depois a face dela já parecia feita de porcelana, completamente
enigmática. O Leão há havia se acostumado com aquilo depois de ter conversado
tantas vezes com Ichijou; Escorpiões são treinados para que seus rostos não
demonstrem nada, como bonecos, mas aquela mulher estava em um nível totalmente
diferente.
Kachiko tragou profundamente o kiseru
antes de mandar que todos se acomodassem. Havia um conjunto de várias almofadas
para acomodar todos ali, à esquerda de Kachiko. Apenas uma delas mais a frente
separada de todas as outras. Akodo Ryu vendo que não havia muita escolha
sentou-se naquela almofada ficando frente a frente para o garoto. O Leão olhou
bem para o menino e o reconheceu como Bayushi Kage, o protegido de Ichijou
durante o campeonato de Topázio.
― Suponho que vocês não têm muito
tempo, então vamos direto ao ponto – Kachiko sorriu olhando para os dois e
bateu com o dedo no kiseru fazendo um surdo som metálico e derrubando as cinzas
em um cinzeiro.
Akodo Ryu sentiu uma picada em sua
coxa, fechou os olhos pela dor e notou um escorpião negro andando em suas
roupas. Bateu com a mão para espantar a pequena criatura e viu por entre os
dedos sair apenas fumaça. Ele ouviu um gemido de dor e olhou para Kage
que olhava assustado para um fio de fumaça que ia na direção da anfitriã.
Kachiko segurou um riso enquanto olhava para o mais jovem. Em seus ombros a
fumaça formou um novo escorpião maior que os anteriores. A Escorpião fez um
gesto com a mão e um servo veio colocando um copo de porcelana decorado com o
mon do Escorpião. O copo estava cheio de um líquido branco levemente pastoso. O
servo arrumou de forma que o copo ficasse com a mesma distância para ambos e
afastou-se fazendo uma profunda reverência.
― Este é o antídoto para a picada do
escorpião – Kachiko disse dando uma tragada no kiseru – estejam à vontade.
Os dois olharam para ela e depois um
para o outro. Kage ficou tenso por um momento e passou os olhos por todos os
outros na sala, nenhum deles estava acordado. Akodo Ryu notou em seguida e
olhou para Kachiko e ela apenas disse com um sorriso “Eles estão bem,
coloquei-os para dormir apenas para não atrapalharem”. O Leão virou-se para o
menino, temia com a ideia de morrer daquela forma e olhou para o antídoto
desejoso para tomá-lo. Seus olhos arregalaram-se quando notou a mão do Leão
aproximando-se e no mesmo segundo as próprias mãos voaram na direção de sua
Katana. Seus olhos estavam fixos no homem à frente, cheios de raiva e medo, mas
tudo o que recebia de volta era pena. Ryu empurrou o copo a direção do menino e
voltou a ficar com as costas eretas.
― Beba, você é mais jovem – Ryu disse
firme – se é para salvar um jovem da morte dando minha vida, então eu já vivi o
bastante.
O garoto parou arregalando os olhos,
olhou para o antídoto e depois para Kachiko, mas ela não olhava para ele.
Fumava calmamente com os olhos fechados e uma expressão visível de desgosto. O
jovem Bayushi pegou o remédio e o tomou de uma vez, não deixando nem um pouco
sobrando. Akodo Ryu esperou calmamente que ele terminasse e olhou para Kachiko,
mas antes que ele pudesse dizer qualquer coisa ela ergueu a mão.
― Você pode acordá-los e ir embora –
Kachiko disse apontando para todos os que estavam desmaiados atrás do Leão –
Este jovem ficará aqui, porém.
― Eu não entendo o motivo por trás
desta decisão – Ryu indagou.
― Você não precisa se dar ao trabalho –
ela respondeu seco – Tudo o que precisa saber é que ele ainda não está pronto,
por isso ficará aqui.
― Eu ainda estou envenenado, não irei
muito mais longe que isso – Ryu falou com desgosto.
― Você está ótimo, não existe nenhum
veneno – Kachiko bateu o kiseru contra o cinzeiro fazendo um alto barulho –
isso foi apenas um pequeno teste.
― Mas o antídoto... – Kage disse com um
gaguejo.
― Saquê – ela respondeu imediatamente –
Apresse-se Leão, acorde-os e parta, seu tempo aqui acabou.
O Leão levantou-se atordoado, mas fez
como ela mandou. Acordou a todos e explicou por cima os acontecimentos. Eles
levantaram com dificuldade, ainda grogues. Um servo os levou para a saída e
Kachiko não deu mais atenção para eles. O grupo foi guiado para o corredor que
era iluminado em toda a sua extensão por lanternas no chão. Pequenas caixas de
madeira negra e papel. Ryu levava nos braços a Voz da Imperatriz que até aquele
momento ainda não havia acordado, mas todos os outros estavam bem. Kuni Karasu
ajudava Kitsune Aoshi a andar, seu calcanhar estava torcido. Takao vinha atrás
conversando com Mirumoto Tenken e Kakita Akitsuki, e Matsu vinha um pouco mais
atrás conversando com Togachi Hoshi que respondia à ela calmamente. Seta andava
ao lado de Ryu e foi ele quem abriu a porta para passarem à outra sala.
Desta vez, a sensação de vertigem não
veio quando transpuseram de sala. Havia uma extensa planície coberta de grama
rala verde e um rio dividindo ao meio. Nas bordas do rio haviam pedras que
pareciam ter sido colocadas ali, não sendo naturais, eram bem trabalhadas.
Ligando as duas bordas havia uma ponte de madeira, forte o bastante para que
máquinas de guerra do Clã Leão passassem sem problemas. Atrás da ponte, do
outro lado do rio, havia uma porta que provavelmente levaria para a saída
daquele lugar. No meio da ponte haviam dois homens duelando, um deles vestia um
quimono totalmente branco, não haviam pelos aparentes e seu rosto era liso, sem
contornos ou orifícios, como um quadro branco.
O outro vestia um quimono negro
reduzido à farrapos, não havia, em suas roupas, nenhuma identificação de Clã.
Através dos buracos em suas roupas era possível ver várias cicatrizes
escurecidas, pareciam tatuagens, mas era visível que não era o caso. Seus
cabelos eram brancos, não pareciam pintados no entanto, e curtos, os fios
passavam um pouco seu maxilar e uma franja cobria seu rosto. A pele estava
rasgada e queimada, mas não por fogo; algo muito mais sobrenatural havia feito
aquelas marcas. Nenhum deles conseguia pensar em uma explicação, porém. Não
conseguiam dizer, de onde estavam, se conheciam aquela figura ou não.
― Ei, vocês! – Akodo Ryu gritou para
chamar a atenção daqueles dois.
O homem dos cabelos brancos avançou
como um raio na direção do outro. Por um instante ele desapareceu e surgiu bem
à frente do outro homem. Sua espada já havia terminado de cortar através do
outro em um piscar de olhos, e nenhum som veio daquele movimento. Os que
prestaram atenção no que aconteceu ficaram espantados, mas ainda mais ficaram
aqueles que entendiam superficialmente o que aconteceu. Mirumoto Tenken e
Kakita Akitsuki ainda olhavam atordoados, aquela era uma técnica do estilo
Kakita, mas apenas algumas pessoas poderiam atingir aquela velocidade. Tenken
já havia visto seu rival Akitsuki realizar aquilo várias vezes durante um duelo,
mas não daquela forma.
Aquele homem baixou o corpo quase
sentando sobre os calcanhares e tomou impulso em um só instante. A técnica em
si não era difícil, mas realizá-la era um problema. Equilíbrio, força e
reflexo, tudo precisava agir em harmonia para aquele movimento funcionar
daquela forma. Além disso, o corte da espada não produziu som algum no momento
que percorreu o ar. Eles estavam longe, mas pelo menos um fraco som deveria
vir, mas nada veio.
― Ei, Akitsuki – Tenken bateu no ombro
do camarada – Você conhece aquele sujeito?
― Não – o Garça gaguejou – eu não
consigo ver o rosto dele daqui, mas não lembro de ninguém assim em Toshigui.
― Seja quem for, precisamos duelar
contra ele – Tenken disse decidido – Imagine a experiência de lutar contra
alguém assim.
― Eu consigo imaginar – Akitsuki olhou
para a própria mão tentando controlar a tremedeira.
― Isso ai – Tenken deu um tapa no meio
das costas dele – Vamos, precisamos aproveitar a oportunidade, esse homem pode
ser apenas mais uma ilusão desse lugar.
Ambos correram na direção da ponte. Ryu
tentou pará-los, mas os dois foram rápidos demais. O Leão estalou a língua
desconfortável com a situação; não podia correr atrás deles segurando a Voz da
Imperatriz e não iria colocá-la no chão apenas para correr atrás deles. “Não há
motivos de se exaltar com crianças, vamos segui-los e tentar evitar que eles se
metam em problemas”, Karasu disse aproximando-se de Ryu. O Leão concordou e
esperou pelos outros para seguir em direção ao ponto. Os garotos chegaram junto
à ponte bem em tempo de ter um rápido vislumbre da lâmina. Ela tinha um
misterioso brilho prateado e o metal era diferente de tudo o que eles já tinham
visto. Sua cor era de um rosa bem escuro, a mesma cor que as pétalas de uma
cerejeira têm sob a lua. Se fosse dito que aquela lâmina foi forjada das
pétalas de uma cerejeira, qualquer um poderia facilmente aceitar essa resposta.
― Você! – Tenken gritou para chamar a
atenção daquele homem – Eu gostaria de desafiá-lo para um duelo!
O grupo já havia chegado próximo da
ponte quando aquele homem se virou para os dois garotos. Havia uma máscara
branca encardida do lado direito de seu rosto, toda rachada e desgastada. Sua
máscara cobria apenas uma parte do rosto e tinha o formato de um triângulo
retângulo, invertendo, a base ficava na testa e ia descendo até um pouco
mais abaixo da boca. Seus olhos estavam fechados e haviam profundas olheiras,
além de riscos negros que desciam pelo canto dos olhos, lembravam lágrimas, mas
era uma substância prateada que parecia viscosa como mel. O homem baixou a
katana, tomando postura de duelo. Sua mão ficou a poucos centímetros do cabo de
sua espada e foi flexionando os joelhos para frente enquanto esticava a perna
esquerda lentamente para trás milímetro a milímetro.
Os rivais definiram na sorte quem seria
o primeiro, e Akitsuki acabou sendo aquele que teria o primeiro duelo. Assumiu
sua postura de duelo, mas seus olhos estavam presos no homem a sua frente. Viu
quando ele virou um pouco o corpo para a própria esquerda e manteve o ouvido
direito para frente. O Garça conseguia ouvir apenas seu próprio coração
barulhento como um sino, recusando-se a acalmar-se. Seu adversário estava
concentrado e por um segundo uma ideia passou pela cabeça do garoto. “Este homem
é cego? ”, ele pensou. Balançou a cabeça para afastar pensamentos que lhe
atrapalhariam e focou-se no que estava fazendo.
Sua consciência afundou no duelo e seus
olhos brilharam com as cores do Vazio. Concentrou o poder nos próprios olhos
para poder enxergar mais claramente, mas aqui foi seu erro. O que ele viu o fez
soltar a própria espada. Ele teria visto algum tipo de monstro? Clichês em
histórias fantásticas dos duelos lendários. Uma aura tão grande que parecia
engoli-lo e parti-lo em pedaços? Não foi isso que ele viu, no entanto. Nada foi
isso que o menino viu. Como um duelista, ele sabia que qualquer um demonstrava
suas garras em um duelo, um desejo de vitória tão forte que rasgaria em pedaços
o oponente a sua frente. Tudo que ele teve foi uma sensação.
A sensação de estar sendo tragado por
uma força invisível que o puxava para dentro do Abismo. Mesmo que apenas por um
momento, ele viu aquele homem com os olhos bem abertos. Mesmo sem demonstrar
nenhum espírito de luta, engoliu sua consciência e o jogou para dentro do
Vazio. O menino soltou o punho da própria espada sentindo o suor frio
escorrendo em suas costas, o rosto encharcado, deu um passo para trás e viu
quando aproveitando sua distração ele avançou como uma flecha. O ar a sua
frente parecia deformar e sem conseguir ver, sentiu a lâmina cortando através
de seu pescoço. Piscou e viu ele parado a sua frente, vários passos de
distância. Akitsuki levou a mão ao pescoço e vomitou na ponte.
― Eu... – ele tentou dizer, mas vomitou
novamente – eu desisto.
O homem apenas saiu da postura de duelo
e virou o rosto para os outros que estavam ali. Ryu apertou os olhos quase
parecendo reconhecer aquele homem, mas alguém o fez antes. Akatsuki estava
pálida e sua boca se mexia sem nenhum som ser emitido. Ela deu alguns passos
para frente, mas teve o pulso segurado por Akodo Ryu que temeu deixa-la chegar
mais perto de quem quer que fosse aquele homem. Ela virou-se para o Leão, um
fio de lágrimas escorria de seus olhos inchados e ela forçou-o a soltá-la.
Virou-se novamente para o homem e correu em sua direção, abraçando-o pela
cintura. O homem ficou impassível por meio segundo, mas logo sua expressão
tornou-se mais vívida quando um singelo sorriso brotou em seus lábios pálidos.
― Bem-vindo de volta – Ela disse entre soluços
– meu amor.
― Sim – o homem respondeu passando a
mão em seus cabelos – “Eu estou em casa”.