Daidoji
Kamia um velho rival de Soichiro. Esse abutre já fez todo o tipo de coisa para
tomar o que meu pai já conquistou. Minha mãe estava nessa lista até que ela
descobriu e foi der uma conversa de mulher para verme com o infeliz. Lembro-me
que meu pai estava deveras feliz naquele dia, não sei se porque minha mãe disse
que preferia meu pai ou pelo prejuízo que ela causou aos cofres de seu inimigo,
tudo o que lembro é que meu pai a encheu de presentes quando ela retornou.
De
alguma forma Kamia deve ter descoberto sobre os perfumes que Ruma produz
exclusivamente para meu pai e resolveu que deveria possuí-los no lugar dele. Eu
não duvido, na verdade eu tenho certeza, que aquele crápula tenha envolvimento
com a falta de contato entre Soichiro e Sayo-san. Se isso for verdade há apenas
duas possibilidades ou Hideki está morto ou ele nos traiu e espero
profundamente que seja a primeira opção ou teremos que demonstrar um pouco do
nosso amor para ele.
―
Quando ele veio vê-la Sayo-san? – perguntei.
―
Ele não veio pessoalmente na primeira vez – ela disse – mandou uma serva
entregar um presente. Eu não poderia receber um inimigo de Soichiro-san, mas
depois que fiquei desamparada com os problemas da vila ele estendeu a mão para
mim. Mandou alguns curandeiros para tentar resolver o problema e chegou até a
vir pessoalmente, mas não teve nenhum resultado.
― Se
o que me contas é verdade então achar que ele está envolvido com a doença seria
errado – comentei.
―
Ele podia estar envolvido? – Sayo-san pergunto assustada.
― Vindo
daquele homem eu não duvidaria que fosse verdade – respondi – porém se fosse o
caso ele conseguiria resolver o problema facilmente. A senhora e o que faz são
muito importantes para Soichiro, Sayo-san nunca se esqueça disso quando estiver
tratando com outras pessoas.
―
Entendo – ela disse cabisbaixa – mas se ele não está envolvido com a doença
como você enxerga seu envolvimento?
―
Pense um pouco Sayo-san – respondi com um sorriso e outra pergunta – como ele
poderia fazer uma intriga surgir entre a senhora e Soichiro?
Sayo-san
ficou pensativa ela não parecia conseguir pensar em nada. Uma pena, era muito
simples imaginar o que poderia ser. O jovem que estava com ela havia estado
calado todo o tempo durante a conversa, mas dessa vez ele resolveu interferir pela
primeira vez.
― As
mensagens? – ouvi a voz do rapaz e virei a cabeça na direção dele, ele parecia
um pouco inseguro do que estava falando, mas teve coragem de perguntar.
― O
que o faz pensar assim? – perguntei.
―
Minha tia é muito fiel a Soichiro-sama, eu posso dizer isso pelo tanto que ela
fala dele – ela falou seguro de suas palavras – a primeira coisa a se fazer
para se aproximar dela deveria ser abalar essa fidelidade e a melhor forma de
fazer isso seria fazendo ela duvidar da importância que ela tem para ele.
―
Nada mau – comentei com um sorriso – qual o seu nome?
―
Mirumoto Takeshi é um prazer conhecê-lo – o rapaz respondeu um pouco nervoso.
―
Shosuro Ichijou, digo o mesmo – respondi – é bom encontra um jovem promissor,
presumo que seja você que irá me acompanhar pela vila.
―
Sim, será um prazer acompanhá-lo Ichijou-san – ele disse curvando-se para mim.
―
Agora que as duvidas foram sancionadas eu irei dirigir-me até a vila para
investigar melhor os desaparecimentos – disse virando-me para Sayo-san – por
favor me informe se houver alguma melhora.
―
Sim – Sayo-san disse curvando-se para mim – deixe-me agradece-lo mais uma vez
por ajudar minha filha e por abrir meus olhos para a situação.
―
Deixe disso Sayo-san – respondi – eu que fico feliz por esse assunto ser
resolvido sem maiores problemas.
Saímos
do quarto e Takeshi-san me ajudou guiando-me para a saída da mansão. A vila
estava um pouco mais movimentada agora, pelo que Takeshi-san contou havia
alguns visitantes de outras vilas. Eles queriam comprar os produtos de sua tia
dado sua fama. Havia também alguns vendedores ambulantes oferecendo todo tipo
de coisa. Alguns ofereciam vinagre, o cheiro era bem desagradável se você quer
minha opinião. Havia também um ou outro que vendiam remédios, posso dizer que a
maioria vendia esse tipo de produto.
Talvez
tenham ouvido os boatos sobre as pessoas doentes naquela vila e resolveram vir
ate ela para ganhar uns trocados a mais. Ninguém em sã consciência confiaria
nesse tipo de gente, a maioria são charlatões que vendem água misturada com
sabe-se lá o que. Tudo apenas para ganhar mais dinheiro as custas de pessoas
desesperadas e naquela vila havia várias dessas pessoas. Ninguém sabia do que
se tratava a doença, havia muitas pessoas desacreditadas. A vila agora era o palco
para enganadores brilharem e saírem lucrando.
Havia
um pequeno grupo de pessoas ouvindo atentamente o vendedor que dizia ser o
único a vender um poderoso elixir que curaria qualquer doença. Aquilo não me
dizia respeito então apenas dei de ombros e parei um transeunte qualquer.
Perguntei-lhe se ele conhecia alguma das pessoas que estavam doentes. O homem
curvou-se longamente para nós dois e apontou para uma casa ali perto. Segundo
ele seu amigo estava com problemas de saúde já há alguns dias. Agradeci-o pela
informação e rumei em direção à casa que foi apontada.
No
caminho parei em uma pequena barraca de frutas e comprei dois pêssegos. Paguei
por eles e pedi pela ajuda de Takeshi-san. O rapaz escolheu os dois melhores
que encontrou e ainda assim estava maduros demais. Comi um com certo desgosto,
era doce, mas não havia nenhuma suculência, parecia até que eu estava comendo
uma fruta feita de massa. Controlei-me para não voltar até a barraca o pobre
homem provavelmente nem deveria ter culpa. Guardei o segundo pêssego para
jogá-lo fora mais tarde. Sim eu sei é um desperdício, mas eu não iria comer
algo tão ruim daquele jeito.
Paramos
a frente da casa e chamamos à porta. Um menino veio nos recebe. Ele tinha
cabelos curtos e bagunçados e olhos curiosos. O menino não parecia entender bem
quem nós erámos, não deveria ter nem mais que seis anos, ainda não tinha sido
educado corretamente por seus pais. Para ele nós éramos apenas dois homens
grandes e com roupas bem mais novas e limpas que as dele. Takeshi-san estranhou
o menino que ficou apenas parado nos olhando, mas para mim aquilo estava dentro
da normalidade.
Uma
mulher veio em seguida e quando nos viu ficou pálida ela jogou-se ao chão de
joelhos segurando a cabeça do menino contra o chão pedindo por misericórdia para
o seu filho. Ela tremia pelo medo e com muita razão. Não são todos, mas os
Samurais têm um ego que pode ser facilmente ferido por algo tão simples quanto
uma reverencia. Quando alguém de nível inferior encontrar alguém acima,
socialmente, sua primeira reação deve ser reverenciar de forma adequada ou
estará insultando o outro. Samurais não costumam levar muito bem esse tipo de
comportamento, para outro Samurai o máximo que irá acontecer e levar uma
advertência e até mesmo boatos podem surgir, mas para um heimin isso pode levar
a morte.
Hemins
são a população mais abundante no Império, no entanto suas vidas estão nas mãos
do Samurai. Nós temos o direito de matar um heimin sem nenhum problema maior.
Nós somos nobres e eles apenas servos, quem iria nos punir por acabar com a
vida de um ser insolente? É fato que o bushidô condena pessoas que tenham esse
tipo de ato, pois a compaixão é uma das virtudes do Caminho do Guerreiro, mas
isso é tudo que acontecerá com um Samurai, levar uma advertência ou ter sua
Honra questionada.
Eu
posso até entender que muitos Samurais valorizam bastante pela própria honra,
mais até que suas próprias vidas, mas quando a única punição é algo tão
superficial quanto ficar desonrado para mim isso é banal.
―
Está tudo bem mulher – falei para a tranquilizar – levante sua cabeça. Apenas
eduque corretamente sua criança, outros podem não ter uma atitude como a minha.
― Muito
obrigado, meu senhor – a mulher disse aliviada – o que trás nobres Samurais a
minha humilde casa?
―
Ficamos sabendo da condição do seu marido – Takeshi-san falou – gostaríamos de
vê-lo.
A mulher nos olhou com um brilho de esperança,
outros já haviam abandonado seu marido entregando-o a própria sorte para morrer
agonizando ou sobreviver depois de muito sofrimento. Aqueles dois homens, no entanto, pareciam
querer salva-lo ou pelo menos tentar e isso já era mais que o suficiente para
aquela pobre mulher. Senti um cheiro salgado no ar e ouvi quando ela curvou-se
abraçando as próprias roupas. Ela tremia e soluçava diversos agradecimentos.
Toquei-lhe
no ombro e lhe dei um sorriso. O cheiro salgado apenas ficou mais forte
enquanto ela me olhava. Seus olhos estavam marejados e inchados pelas lágrimas.
Provavelmente ela já havia chorado muitas vezes nesses dias que seu marido
estava incapacitado. Tudo indicava sua morte, quem iria culpá-la de estar
sentindo tanta dor? Você? Continuei a prestar atenção nela e entre meus dedos
percebi que ela estava magra, provavelmente fazia alguns dias que não comia,
talvez pela preocupação com seu parceiro ou simplesmente por não ter o que
comer. Sem alguém para trabalhar naquela casa ela logo entraria em colapso.
A
ela dei todo o tempo que precisava para recuperar-se do choque, se é que posso
falar assim. Takeshi-san já estava ficando impaciente por estar demorando
tanto, mas não fez nada em consideração a mim, o que fico bastante agradecido.
Como a mulher faria tudo o que eu pedia eu preferia tratá-la da melhor maneira
possível, ainda são humanos, por que eu deveria tratar um humano, mesmo que
inferior a mim como um animal? Creio que passei muito tempo com minha mãe e
seus ensinamentos sobre Compaixão. Eu, é claro, não vejo nada de ruim nisso,
prestar um pouco de compaixão pelos inferiores os fazem trabalhar com muito mais
entusiasmo e dedicação. Ao meu ver estou no lucro aqui.
A
mulher nos levou até o quarto. O cheiro naquele pequeno quarto era muito forte.
O homem ali não tomava banho há alguns dias, pois as dores em seu corpo eram
grandes demais para aguentar até ficar sentado. Seu coração batia fraco, tão
lendo que parecia a ponto de parar. Aquele homem não ficaria vivo por muito
mais tempo, algo deveria ser feito o mais rápido possível para salvar sua vida.
Aproximei-me cuidadosamente para não acordá-lo, ele havia finalmente conseguido
dormir depois de dias em claro, não consigo nem mesmo imaginar o sofrimento...
na verdade eu até consigo. Naomi me fez passar pelo inferno durante o
treinamento é claro que eu posso imaginar o quão cansado aquela pobre alma
estava.
Takeshi-san,
seguindo meus passos, aproximou-se com o máximo de cuidado. Ajoelhei-me ao lado
daquele homem e o jovem Dragão do outro de frente para mim. Cuidadosamente eu
toquei a pele do paciente e ouvi um barulho estranho que me fez recuar no mesmo
momento por medo de feri-lo. Sob meu toque os ossos dele pareciam a ponto de se
partir. O som foi tão alto que passei dois segundos em silêncio esperando que
alguém comentasse, mas traindo minhas expectativas ninguém o fez. O som foi o
mesmo que uma tabua pobre ao ser pisada, um gemido baixo muito próximo ao de
madeira seguido por o seco som de madeira sendo partido.
―
Você não ouviu isso? – perguntei em um sussurro.
―
Isso o quê? – Takeshi perguntou confuso.
― Os
ossos dele partindo-se quando toquei – comentei.
― Eu
não ouvi nada, Ichijou-san – ele disse ainda mais confuso – o senhor deve estar
ouvido coisas.
―
Espero que seja verdade – falei.
Virei-me
novamente para o homem e passei a mão pelo braço do mesmo. Ele estava tão magro
quanto a sua mulher, ele não estava alimentando-se direito. Quando questionada
sobre isso ela falou que estava evitando o máximo possível alimentá-lo. Tudo
que ele conseguia comer sem problemas era um mingau de arroz bem fino, mas
estava com problemas para continuar, pois não tinha dinheiro o bastante agora
que seu marido havia parado de trabalhar.
Quando
ele comia comidas mais pesadas que mingau ele normalmente se engasgaria. Quando
aconteceu a primeira vez e o esmo quase morreu engasgado a mulher teve que
recorrer a algo bem mais leve para tentar pelo menos o manter nutrido.
― O
estado dele não é bom – falei calmamente – apenas mingau não é o bastante para
mantê-lo nutrido, desse jeito se a doença não o matar a fome irá. Seu corpo
ficou muito magro provavelmente pela falta de comida com nutrição o bastante.
―
Então não podemos fazer nada por ele? – Takeshi perguntou.
―
Encontrar o motivo da doença seria uma ótima ajuda – comentei.
―
Isso é muito vago Ichijou-san – ele disse.
De
fato, mas não havia muito o que fazer. Ele não resistiria mais muito tempo
estando fraco daquele jeito e com a falta de comida naquela casa a sua chance
de recuperação seria quase nula. Quando andei pela vila eu notei que
provavelmente os outros heimins estavam na mesma situação. Muitos murmúrios
podiam ser ouvidos para todos os lados. Reclamações e os prantos de pessoas
morrendo de fome. Podia sentir por entre meus dedos suas barrigas vazias e
clamando por um pouco de arroz.
Quando
pensei sobre isso eu vi o problema. Em nossa cultura havia apenas arroz como
base culinária, em geral os Rokuganis comiam arroz no café da manha, almoço e
jantar. Tendo isso como base podemos dizer que ficamos totalmente a mercê da
produção de arroz do Clã Garça, sem a produção deles o Império passaria fome,
claro que isso era um exagero de minha parte, mas não ficava muito longe da
verdade. Preciso apresentar a meu pai essa minha ideia delirante e buscar uma
contramedida ficar nas mãos de apenas um Clã seria um erro fatal e nos levaria
à ruina.
Enquanto
eu pensava as pessoas dentro do recinto olhavam para mim nervosas. A família
daquele homem ainda tinha esperanças no que poderíamos fazer para salvá-lo,
eles estavam em estado de negação e provavelmente ignoraram o que havia sido
falado mais cedo. Minha mente explanou o problema um pouco mais a fundo e houve
apenas uma ideia que poderia ser aplicada, mas creio que dificilmente daria algum
resultado. Eu deveria falar com meu pai, talvez ele pudesse mandar alguns
mantimentos pelo menos para suprir as necessidades básicas da vila até que o
problema fosse resolvido.
―
Existe uma forma – eu falei – pelo menos de conseguir comida para fazer a vila
resistir um pouco mais, seria difícil, mas não custa nada tentar.
― E
o que o senhor faria? – Takeshi perguntou.
―
Precisarei enviar uma carta a meu pai – suspirei – se o problema da comida vai
ser resolvida ou nem agora depende apenas de mim. Preciso voltar até a mansão e
pegar meu material de escrita.
―
Precisa que eu vá com você? – Takeshi perguntou.
―
Não acho que seja necessário – respondi – ei menino, você conhece outras
pessoas que estão doentes como o seu pai?
Ouvi
um solavanco vindo da minha direita e um pequeno coração que disparou quando
foi chamado. Talvez depois de ser repreendido por sua mãe o garoto ficou mais
receoso de falar conosco. Aguardei um pouco até que ele respondesse, mas não
ouvi nada. Takeshi disse que o menino sabia e eu virei-me para ele confuso.
“Ele balançou a cabeça?”, perguntei e o meu parceiro disse que sim. Não
consegui conter a risada, acho que é bem obvio que porque eu sou cego eu não
teria como saber de algo assim, mas o menino não tinha culpa.
―
Pegue isso e leve meu amigo aqui até a casa de outra pessoa – falei oferecendo
o pêssego que havia comprado, fazer isso seria melhor que jogar fora pelo menos
– e depois disso me espere no centro da vila naquele poço. Quando me avistar
fale comigo entendeu?
―
Sim senhor – o menino falou hesitante e nervoso.
Entreguei-lhe
o pêssego e sai da casa. Ouvi quando Takeshi falou com o menino de para onde
iriam enquanto ele comia alegremente a fruta que eu havia lhe dado. Rumei para
a mansão de Sayo-san prestando sempre atenção aos ânimos da vila. Havia de fato
muitas pessoas reclamando das condições e os problemas que a Ruma estava
passando naquele momento. A produção de alimentos estava caindo justamente por
não haver pessoas o suficiente para trabalhar e mesmo os outros produtos
estavam em queda.
Alguns
comerciantes estavam reclamando em um canto sobre as poucas vendas que tiveram
desde que chegaram ali e os recém-chegados não estavam tão animados quanto
deveriam estar. Eu estava começando a ficar preocupado com o que poderia
acontecer com a própria vila se aquilo continuasse. Creio que o único
comerciante que estava muito satisfeito com as próprias vendas era o charlatão
que vendia os medicamentos. Obvio que em um lugar passando por um momento tão
desesperador alguém como ele se daria bem. Tive que controlar meu novo e a
vontade que tinha de desmascarar aquele ser, mas me contive, pois eu tinha
outras coisas com o que me preocupar naquele momento.
Parei
no meio da praça, lembrei-me que Mayuu estaria muito ocupada no tratamento da
filha de Sayo-san, eu não deveria incomodá-la naquele momento. Pensei então em
outra pessoa que com certeza me ajudaria e que seria muito mais vantajoso pedir
por seu auxilio. Asuka-san seria a pessoa que eu iria incomodar naquele
momento. Virei-me em meus próprios calcanhares e fui em direção a hospedaria
dela.
Quando
lá cheguei fui recebido por um caloroso Bem-vindo de várias gueixas que estavam
à porta esperando pelos clientes. Dei um sorriso de volta para elas e pedi que
uma delas me guiasse até Asuka-san. Houve uma pequena disputa para saber qual
delas me levaria e acabou vitoriosa, depois da pequena troca de palavras entre
elas que Aiko-san, aquela que me servira na noite anterior, levar-me-ia ao meu
destino.
Asuka-san
estava em sua sala particular revendo alguns papéis. Ela parecia muito ocupada
e me pareceu um pouco indelicado de minha parte atrapalhar-lhe, mas a situação
era urgente demais para esperar. Ela ficou aborrecida ao ser incomodada em meio
aos seus afazeres, mas ficou contente em saber que era eu quem estava a
atrapalhando. Devo dizer que isso ajudou a suavizar sua reação, mas eu ainda
podia sentir a insatisfação em sua voz. Ela convidou-me para entrar, passei
pela porta corrediça e sentei-me em uma almofada a frente dela. Foi-me
oferecido um pouco de chá que eu aceitei com satisfação.
― O
que o trás aqui novamente Ichijou-san? – Asuka perguntou-me.
―
Preciso de um grande favor seu – falei enquanto tomava o chá – é algo que
merece nossa atenção urgentemente.
―
Entendo – ela falou – Aiko nos deixe sozinhos um pouco.
―
Não existe necessidade disso, Asuka-san – falei com um sorriso – não é como se
fosse um segredo, afinal.
Asuka-san
ficou em silêncio por um momento e abriu um sorriso. Ela pareceu entender
minhas intenções. Normalmente se pediria para ficar sozinho ao discutir um
assunto urgente, mas eu não queria isso naquele momento. Ela poderia supor que
o que deveríamos tratar deveria ser espalhado pela vila, afinal que lugar
melhor para es espalhar um boato que uma Okiya, o fluxo de pessoas nesse tipo
de estabelecimento era muito maior. Asuka-san fez um comentário, mas eu
ignorei, pois não era tão importante, era apenas a verdade.
―
Preciso enviar uma carta a meu pai com urgência – falei – mas como a senhora
deve saber eu não posso escrevê-la sozinho. Devo pedir sua ajuda para a
escrever e enviar para meu pai o quanto antes.
―
Isso não será um problema – ela comentou – qual o assunto?
―
Sobre a fome da vila – falei.
Esse
tema parece ter pego ela de surpresa. Seu coração disparou naquele momento. É
claro que ela sabia sobre o que eu estava falando e claro que ela sabia o que
isso implicava para a vila como um todo. A produção estava baixa e muitas
pessoas não estavam conseguindo se recuperar ou menos resistir bem a própria
doença por falta de comida. Como a maioria dos servos precisava trabalhar para
poder sustentar-se não havia como eles se manterem por muito tempo se não
estivessem trabalhando. Ao meu ver, isso é apenas uma suposição minha, muitas
das mortes que aconteceram teve como motivo a própria fome que mesmo a doença.
Claro,
seria tolo de minha parte negar que a doença teve uma forte influencia nisso,
mas a falta de comida estava agravando ainda mais. Asuka-san entendeu meus
motivos para ajudar, não havia nenhuma ou quase nenhuma, ao seu ver, empatia em
minhas ações. Eu sei, esse pensamento dela era um pouco cruel para comigo, mas
eu não podia fazer muito. Claro que eu me importava com a situação daquelas
pessoas. Ser um Escorpião não me transformava ou me caracterizava como um
monstro, mas havia, é claro, outros motivos por trás daquilo.
― Se
esse é o caso, eu irei ajudá-lo – ela falou com um sorriso.