Violeta ouviu toda história de Rael enquanto tentava tratar
do ferimento de Thais, eram marcas de dentes profundas na pele da mulher. Esse
ferimento estava envenenado com o vírus que causariam a transformação em um
devorador. Mesmo para Violeta, possuidora dos maiores conhecimentos curativos,
aquilo não era algo que ela poderia lidar.
Como eles estavam próximos a Emilia, que estava trabalhando
em fortalecer a barreira, a mesma também ouviu toda a história.
Emilia estava de pé diante da caverna, ela tinha criado uma
gigante barreira vermelha cobrindo toda a entrada da caverna. E, com as pontas
dos dedos, ela desenhava símbolos no ar e os lançava na barreira azul à sua frente.
Esses símbolos criavam raízes conforme encostavam na barreira azul e sumiam,
ficando invisíveis. Tudo era feito de dentro da barreira vermelha e Emilia
ficava apenas com as mãos para dentro, de modo que o resto do corpo ficasse
fora da mesma.
― O que sabemos agora é que eles estão migrando para os
outros continentes. É possível que o nosso mundo inteiro seja tomado pelos
devoradores muito em breve. ― disse Rael de forma pesarosa.
― Thais, eu não consigo curar esse tipo de ferimento. Ele
contém um veneno que está avançando pelo seu corpo a medida que você faz
esforços. O Cristal de Ureno evita que você se transforme, mas ele não pode
evitar o veneno extra da mordida. Se fosse pelos conhecimentos desse mundo
pequeno, você viveria mais uma semana. Pelos meus, você tem mais um mês. Quero
que você tome uma pílula dessas a cada três horas, ela vai ajudar a aliviar a
dor e retardar o avanço da ferida. ― explicou Violeta, passando um conjunto de
três pílulas verdes para a mulher. Thais já tomou a primeira pílula de
imediato.
― O Rael desse mundo pode curá-la, não pode? ― perguntou
Rael.
― É muito provável que sim. Eu vou entrar agora em contato
com ele e nos encontraremos no esconderijo. ― disse Violeta e já se virou,
levantando a mão direita. Todas as mulheres do esconderijo receberam um anel de
Rael, assim, todas poderiam falar com ele.
― Ativar: Rael.
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Rael foi interrompido durante a cultivação e atendeu
Violeta, que começou a passar todos os fatos.
― O QUÊ?! ― quando Rael começou a ouvir os fatos, ele se
tornou agitado no mesmo instante. Violeta foi passando mais detalhes enquanto
Rael ficava em silêncio, com o coração agitado, pulsando violentamente.
― Eu entendi. Estou com Neide e vou pedir para que ela me
leve aí imediatamente! ― disse Rael e encerrou o chamado. Ele se virou e saiu
flutuando por cima do cerco rochoso do vulcão em direção ao poder de Neide, que
estava ali próximo.
Neide já estava na subida do vulcão, desde a chegada deles
ao local, ela tinha avançado um pouco mais do que vinte metros. Rael pousou à
frente de Neide, ainda vendo a aura vermelha fogo dela agitada enquanto
cultivava. Neide, sentindo a presença de Rael, abriu os olhos lentamente
enquanto cessava seu cultivo:
― Já estamos indo embora, genro? ― perguntou ela.
― Sim, surgiu uma grave emergência. Você nem vai acreditar
no que irei te contar. ― disse Rael e Neide se levantou preocupada.
― Aconteceu alguma coisa com Mara? Com Natalia?
― Não aconteceu nada com Mara, não com a desse mundo. Eu te
conto no caminho, precisa me levar para o esconderijo de Violeta. ― disse Rael.
― Nós estamos bem longe de lá agora, genro.
― Quanto antes a gente
partir, mais rápido chegaremos lá. ― disse Rael.
No caminho enquanto voavam, Rael começou a explicar tudo o
que precisava. Neide ficou chocada ao imaginar que havia outra Mara, outra
filha dela nesse mundo.
― Violeta me disse que os pais dela se sacrificaram para que
eles pudessem fugir, então,eles poderão ficar agitados ao te verem. ― disse
Rael.
― No outro mundo, a minha versão e a de meu marido estão
mortos? ― perguntou Neide com um ar levemente chocado.
― Não somente vocês, todas as cidades do continente Sul
estão destruídas. Eu não sei de todos os detalhes mas, no outro mundo, Violeta
é quem está liderando os monstros. ― disse Rael.
― Violeta? Mas como que isso aconteceu?
― Eu não me dei conta quando visitei o mundo alternativo,
mas parando agora para pensar, me lembro da maldita pilha de cadáveres. Eles
estavam tentando romper os selos para abrir caminho e encontrar Violeta
adormecida. Eu deveria ter percebido antes!
― Do que está falando?
― Quando eu libertei Violeta, haviam selos de Lacres Mortais
protegendo a entrada. Seria preciso o sacrifício de centenas de milhares de
pessoas para remover todos os selos. Mas eles não fazem efeito em mim, então
nesse mundo eu os removi sem nenhum problema. No outro mundo, eu fui procurar
Violeta e havia uma pilha de mortos do lado da montanha, eu jamais imaginaria
que o motivo seria eles tentando libertá-la.
― E você não entrou para conferir?
― Entrei e encontrei dezenas de devoradores no lugar das
bestas divinas. Com isso, fui forçado a recuar. ― explicou Rael.
― Então a versão desse mundo foi encontrada por você e a do
outro, por esses monstros?
― A ideia é essa, não há outra explicação para a Violeta do
outro mundo ter despertado e se tornado um monstro assassino. A Violeta que
conheço não é esse tipo de pessoa. ― disse Rael.
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Enquanto Rael e Neide seguiam do local de onde o dragão
caiu, do outro lado distante estavam os outros, rumo a caverna das violadoras.
Violeta carregava Thais com cuidado por conta do ferimento, Mara carregava o
seu próprio marido e Emilia carregava Samantha. Todos estavam voando em uma
velocidade abaixo da média para não piorar o estado de Thais.
Durante o caminho, Violeta passou para eles todas as
informações básicas. Explicou que nesse mundo o tempo estava mais atrasado e
todos que eles pensariam estar mortos estavam vivos ainda,inclusive os próprios
pais de Mara. Thais, quando soube por Violeta que sua irmã Laís estava viva e
bem, começou a chorar descontroladamente. Ela ficou tão emocionada que se
esqueceu até da dor aguda em seu ombro:
― Quem foi que a salvou? Quem curou minha irmã?
― Rael.Foi ele quem cuidou de sua irmã. Ele a curou e a
tomou como discípula. Hoje, a saúde dela é perfeita. ― explicou Violeta.
― Rael fez isso por mim? Eu nem sei como deveria
agradecê-lo! ― disse Thais agitada.
― Você poderá agradecer a ele pessoalmente. Ele está a
caminho, e nos encontraremos no esconderijo onde moro muito em breve. ―
explicou Violeta.
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O grupo de Violeta chegou um pouco antes e esperaram. No
salão onde recepcionavam as visitas, agora havia alguns conjuntos de sofás.
Ideia de Emilia, que sempre estava descansando em locais diferentes.
Não demorou muito para Rael e Neide chegarem, cruzando a
porta e se encontrando com todos, que já os aguardavam. Houve uma pequena
pausa, na qual todas as partes se analisavam, principalmente Neide e Mara do
outro mundo. Não havia como negar, essa Mara era idêntica a sua filha, mesmo
corpo, mesma feição, somente a expressão no olhar era diferente, parecia mais
abatido que o olhar de sua filha. Assim como para Mara, Neide era a sua mãe.
Ambas sabiam a verdade, que elas eram de mundos diferentes. Mesmo assim, a
emoção foi muito mais forte:
― Mãaaaae! ― Mara gritou se levantando. Correu e abraçou
Neide com toda a força que ela podia naquele momento enquanto começava a
chorar. Neide apertou Mara de volta e a consolou, era uma situação um tanto
quanto estranha. Violeta e Emilia ficaram de canto assistindo ao desenrolar
daquele encontro, assim como Rika e Rose, que já tinham sido apresentadas anteriormente
para os mesmos. Rose sabia que era algo importante, por isso ficou mais na
dela, contendo a enorme vontade de correr e abraçar Rael como ela sempre fazia
quando ele as visitavam.
― Mãe, me perdoa por ser tão fraca! Aaaah...! Se pelo menos
eu tivesse mais poder... Teria como ter ajudado você e o papai... Me perdoa,
mãe! Por favor, me perdoa...! ― Mara estava aos prantos enquanto pedia perdão a
Neide.
― Você não tem que pedir perdão, filha. No outro mundo eu
dei minha vida para proteger você, e faria isso quantas vezes fossem
necessárias. Se eu soubesse que você teria ficado viva graças ao meu
sacrifício, agora eu estaria comemorando. ― disse Neide, que também estava
segurando lágrimas em seus olhos. Neide era uma mulher forte, mas ao ver sua
suposta filha naquele estado, ela não conseguia se conter e não chorar junto
com ela.
As palavras de Neide fizeram Mara chorar ainda mais.
Conforme Mara chorava, Neide também se sentia comovida e chorava junto. Naquele
momento todos puderam ver que, não importava a dimensão do mundo em que
estavam, uma mãe seria sempre uma mãe, assim como sua filha seria sempre sua
filha.
― Eu sei... Que você não a mãe que eu perdi... Mas, você
ainda é minha mãe... Então me deixe ficar assim um pouquinho com você... Por
favor... ― pediu Mara, abraçada com Neide.
― Eu sou sua mãe, independente de sermos de mundos
diferentes. Como minha filha, você nem precisa me pedir esse tipo de coisa,
pode me abraçar o quanto quiser.
Samantha também ficou emocionada e se juntou ao abraço pouco
tempo depois. Neide abraçou a menina junto, como se fosse uma outra filha.
Devido o foco ser aquelas três, ninguém estava dizendo mais nada e todos
assistiam emocionados aquela cena, até mesmo as duas versões de Rael.
― Essa é Samanta Torres, sua neta. ― Mara apresentou sua
filha para Neide.
― Minha neta? Oh! Como ela é linda! ― disse Neide
emocionada, abraçando Samantha mais uma vez e a beijou várias vezes no rosto e
nos cabelos. Samantha também estava emocionada, abraçando Neide de volta. Eles
estavam se tratando como uma grande família.
― Está vendo, genro? Você poderia já ter me presenteado com
alguns netos, como essa minha filha. ― disse Neide depois de soltar Samantha.
Todos viram claramente que ela se dirigiu a Rael desse mundo, e não ao outro.
― Como assim, genro? Por que está chamando ele de genro? ―
perguntou Samantha confusa.
― Nesse mundo, ele é casado com a minha versão... ― quem deu
essa explicação foi Mara. Samantha ficou de boca aberta, sem conseguir soltar
uma única palavra.
― Viu? Por isso não tinha como rolar nada entre nós. ― disse
o Rael ruivo logo em seguida, aproveitando o embalo.
Houve um silêncio no ar depois de Rael dizer aquilo e
Samantha ficou um tanto quanto desconcentrada. Na época que Rael esteve em seu
mundo, ela forçou dois beijos nele e ele não cedeu para ela, coisa que agora
ela tinha a explicação exata para esse fato. Se nesse mundo Rael era casado com
Mara, que é a sua mãe no outro mundo, ele realmente não iria gostar da ideia de
ter relações com ela. Seria como ter algo com uma filha.
O outro Rael já sabia desse detalhe, então não foi nenhuma
surpresa. Ele já sabia que esse Rael foi o que se tornou a versão dele nesse
mundo. É claro, ele só soube disso depois que Rael partiu naquela época. Rayger
e Neide contaram para os dois do outro mundo a verdade sobre ele.
― E você deve ser o marido da minha filha... Rael Torres? ―
disse Neide olhando o outro jovem, que educadamente se apresentou a ela com uma
respeitosa reverência:
― Senhora sogra, é um prazer conhecê-la nesse mundo. Eu sou
sim Rael Torres e estou muito feliz por ter me casado com sua filha. ―
respondeu o mesmo.
― Você é tão bonito quanto o meu genro desse mundo. ― disse
Neide satisfeita.
― Muito obrigado, senhora. ― respondeu o rapaz, sorrindo de
volta.
― E a moça ferida, quem é? ― perguntou Neide para a última,
ainda desconhecida dela.
― Thais Reis, a sua disposição, senhora Neide. ― respondeu a
mulher, se levantando e reverenciando Neide. O ombro de Thais mais uma vez
voltou a sangrar, ela não precisava fazer nenhum esforço para aquilo acontecer.
― O que aconteceu com seu ombro, senhorita Reis? ― perguntou
Neide.
― Eu fui mordida no outro mundo por... ― Thais deu uma
olhada de lado para Violeta e todos que não sabiam captaram a ideia: ― pela
Violeta devoradora do meu mundo.
― Eu vou cuidar disso imediatamente. ― disse Rael dando um
passo a frente: ― Todos vocês podem continuar a vontade. Thais, venha comigo.
― Rael, faça o que for preciso para ajudá-la. ― disse o
outro Rael, assim que o Rael ruivo passou levando Thais. O Rael do mundo real
apenas fez um sim para o rapaz e seguiu pelo corredor com Thais de companhia.
Chegando na cozinha, Rael pediu para Thais se sentar na
cadeira e começou a remover suas ataduras. A moça segurava os gemidos de dor
enquanto Rael retirava cuidadosamente as ataduras sujas de sangue.
― Não estava tão ruim no começo, mas como essa ferida não
sara, ela foi piorando conforme os dias. ― disse Thais.
― Você só não se transformou porque se manteve ingerindo o
Cristal de Ureno?
― Sim, mantenho uso constante dele nas minhas refeições. É
como comer comida com terra, mas não temos escolha. No outro mundo, se não
quisesse se tornar um devorador, o jeito era viver assim. ― disse Thais.
Com o ferimento agora exposto, Rael ficou impressionado que
a moça ainda conseguisse mover o braço. A marca era profunda e sua carne estava
exposta. O veneno era potente e só não avançava mais rápido devido a
resistência de Thais e o medicamento de Violeta:
― Está feio, não é? ― perguntou Thais, vendo a expressão
surpresa de Rael.
― Um pouco, mas vamos dar um jeito nisso. Deixe-me ver a sua
energia. ― disse Rael e se dirigiu para as costas dela. Ele a tocou com a palma
da mão direita e se concentrou. Em poucos instantes, ele obteve as respostas
que buscava.
― Vai conseguir me curar? Violeta disse que se você não
conseguisse, ninguém mais conseguiria. ― disse ela depois de Rael tirar as mãos
de suas costas.
― Isso vai ser moleza. ― disse Rael sorrindo satisfeito,
voltando para a frente de Thais, que sorriu visivelmente aliviada.
Thais ainda não havia agradecido por Rael ter salvo a sua irmã, mas já estava pronta para fazer o seu melhor assim que fosse curada por ele.