Rael acompanhou Rayger até o quintal do casarão ao fundo, onde continha um jardim cheio de rosas no espaço de terra cercado por uma parede de cimento. Havia também alguns vasos espalhados pelos cantos das paredes e até em cima.
― Em toda minha vida eu nunca pensei que estivesse danificando o corpo da minha filha. Eu jamais imaginei que um dia teria esse resultado. Ainda bem que você apareceu. ― disse Rayger. Rael ficou em silêncio e ele voltou a falar.
― Tudo que fiz foi pelo bem da minha filha, foi pensando no futuro dela. Eu nunca pensei que o Ritual Brilho da Lua fosse destruir a saúde dela como aconteceu.
― Você forçou anos de cultivo em uma pessoa de idade tão nova, o que esperava? Ao longo do tempo você danificou os Pontos de Poder e as veias dela. ― disse Rael.
― Sim, imaginei isso. Desde que não era mais possível sentir nenhum poder no corpo dela esse foi o meu pensamento. Eu achei que minha filha não iria sobreviver e se sobrevivesse não teria mais nenhuma cultivação. ― disse Rayger com um olhar triste se lembrando.
― E era isso que deveria ter acontecido. Eu consegui restaurar o cultivo dela porque tenho um poder especial que pessoas normais não tem. Bom, em todo caso isso já passou. Agora, me fale sobre esse ritual. ― pediu Rael.
― O ritual exige três passos. Um
é sangue de dragão, o segundo é o sacrifício de uma besta Demônio
Noturno de Garras. Ambas as coisas como você deve imaginar são muito difíceis.
Por ultimo a data exata.
― Data exata?
― O ritual é chamado de Brilho da Lua
porque só pode ser feito quando a lua entra em algum tipo de determinado estado
estranho, que chamamos de Brilho da Lua. Na noite certa, quando a lua está
prestes a entrar no estado correto, o sangue de dragão começa a ficar quente, até
ele começar a borbulhar. Essa é a hora correta de fazer o ritual. A besta
sacrificada passa todo o seu poder para o corpo escolhido. Tem anos que a lua
vem na forma correta até dez vezes ou mais, enquanto outros ela não vem. Essa é
a parte imprevisível do ritual, sem mencionar que achar a besta Demônio Noturno
de Garras também não é uma tarefa fácil. ― explicou Rayger.
― Você tinha mais dois filhos, por que
apenas Mara servia para o ritual? ― perguntou Rael, se lembrando que em uma
conversa Mara cita que os irmãos não foram abençoados no nascimento.
― Mara nasceu no dia certo de se fazer
o ritual, por essa razão o corpo dela conseguia suportar o ritual sem passar
por nenhum problema.
― E como você sabe? Quando ela nasceu
você já tinha em mente fazer tudo isso?
― Não. Para saber basta você fazer a
pessoa tomar um copo de água com cinco gotas de sangue de dragão. Se a pessoa
permanecer lúcida, então ela nasceu no dia certo. Todas as outras pessoas
ficarão inconscientes por um pouco de tempo. Sendo que qualquer pessoa com mais
de cinquenta anos não poderá mais fazer o ritual.
― E onde você fazia esse ritual?
― Em um lugar que chamamos de Caverna
do Céu. Tenho acesso a ela através de um cristal de teleporte em minha mansão.
― explicou Rayger.
― Poderia me mostrar o lugar? ―
perguntou Rael que visitava esse lugar muitas vezes e jamais desconfiou de
nada.
― Posso, venha comigo. ― disse Rayger
tomando a frente de novo.
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Já
dentro da Caverna do Céu depois de usarem o cristal de teleporte. Rayger guiou
Rael por uma das entradas mais altas. Antes de chegar no final onde daria para
ver as nuvens, Rayger tocou na parede empurrando uma pedra azul redonda que não
parecia fazer muita diferença até Rael ver o que aconteceu em seguida. Uma
passagem secreta se abriu conforme as paredes da caverna se moveram.
Rayger
e Rael subiram por túneis em forma de caracol por quase dois minutos inteiros e
finalmente foram sair no topo do lugar.
O
lugar estava tão alto que já não era possível ver nuvens, mesmo o tempo estando
nublado embaixo aqui eles estavam sobre um forte Sol da manhã.
― O ritual precisa ser feito sobre a
presença da lua, por isso era necessário um lugar alto. ― disse Rayger
esperando Rael conferir olhando curioso em volta.
― Esse caixão de pedra é onde eu
deitava minha filha dormindo ― disse Rayger apontando a frente. Havia o tal
caixão de pedra aberto e embaixo dele um enorme símbolo do que parecia ser uma
gigante bola, com vários raios apontando para o centro onde ficava o caixão.
Mais ao fundo tinha uma pequena bola grudada na bola grande. Os rastros que
formavam o símbolo eram como pequenos corredores no chão, semelhantes aos que
havia na porta da casa de Rita.
― Aqui era sacrificado o Demônio
Noturno de Garras, ― disse Rayger apontando para o círculo menor: ― o sangue
corria por toda essa parte até cercar o caixão. Quando o efeito atingia minha
filha, o corpo dela era erguido no ar e recebia todo o poder que fluía do
sangue. Ela chegava a ser suspensa no ar por cerca de um metro, isso durava
durante toda uma hora. Depois ela voltava ao normal e dormia um ou dois dias,
só então acordava. Quando ela acordava sempre estava muito mais poderosa do que
antes.
― Como o senhor descobriu sobre esse
ritual?
― Meu pai passou a mim antes de
falecer. ― disse ele e sacou um livro azul do bracelete entregando a Rael. O livro
estava bem desgastado. ― Aí tem tudo que você precisa saber e só existe esse
livro no mundo todo. Eu não preciso mais disso caso queira ficar. ― disse
Rayger.
― E o sangue de dragão, quanto o
senhor ainda tem? ― perguntou Rael.
― Isso é tudo que eu tenho agora. ―
disse ele entregando a Rael dois potes de vidro de um litro cada. Um deles
estava cheio e o outro pela metade. O sangue era bem vermelho e tinha um tipo
de pó brilhante como ouro por todo ele.
― Não sei porque você precisa saber
dessa coisas, mas isso é a ultima coisa que eu tinha. Só guardei o sangue
porque ele é usado para muitas outras coisas e foi uma herança de família
passada por meu pai assim como o livro. Se é do seu interesse pode ficar com os
dois. ― disse Rayger.
― Eu agradeço ― disse Rael guardando
tudo no bracelete.
― Poderia fazer mais uma coisa pra
mim?
― O que seria?
― Se você pudesse escrever para você
mesmo do passado, o que escreveria? O que você diria a você mesmo para fazê-lo
desistir desse ritual antes de chegar a esse ponto? ― perguntou Rael. Ele não
precisava disso, já tinha duas coisas que provariam, mas em todo caso seria bom
levar algo a mais. Mara tinha se tornado sua esposa e ele jamais deixaria ela
ficar na mesma situação dessa outra.
― Pode me dizer por que isso é
importante? ― perguntou Rayger.
― Se eu contar a verdade talvez o senhor
não acredite. Mas vou tentar: Eu vim de outro mundo onde a sua filha tem apenas
dezenove anos e ainda está no sexto reino nível sete. Acabou de ocorrer o
torneio familiar nesses dias, ainda tenho tempo de conversar com seu outro você
do outro lado e salvar sua filha antes que ela chegue nesse estado. ― explicou
Rael.
― Isso foi um ano antes do surgimento
dos Devoradores! ― disse Rayger de olhos arregalados e olhou em volta. Rael
ficou abismado porque pareceu que ele acreditou.
― Milha filha estava com o mesmo
cultivo que você citou na chegada do torneio, mas não houve um torneio naquele
ano, quando ela e meu sobrinho se apaixonaram todos declararam que não iam disputar
pelo poder. Eles foram aclamados como casal de ouro. ― disse Rayger.
― E você aceitou tudo tão facilmente?
― perguntou Rael.
― Minha filha se apaixonou por ele.
Quando mais nova ela sempre andava com ele e Natalia, foi assim que os dois se
aproximaram tão rápido. Quando eu percebi ela já estava se tornando noiva dele.
De qualquer modo tudo deu certo então nunca reclamei de nada, minha filha não
foi forçada a se casar. ― disse Rayger e retirou dois papeis do bolso, fez
surgir uma mesa e uma cadeira do bracelete, sentou-se e começou a escrever. Em
poucos minutos ele escreveu os dois bilhetes. Rael não entendeu porque ele
estava escrevendo dois, mas não disse nada. Também não ficou do lado espiando.
Enquanto Rayger escrevia ele se aproximou da beirada e ficou olhando as
paisagens por cima das nuvens.
― Terminei. ― disse Rayger fazendo
Rael volta para perto dele.
― Um é pra você. Ele tem todos os
dados de onde os Devoradores surgirão a primeira vez. As primeiras cidades
atacadas, as datas e os horários. O outro é para mim, quando entregar isso eu
com certeza acreditarei ― disse Rayger. O bilhete dele ele colocou em um
envelope e lacrou com a própria energia de modo que só ele mesmo ou alguém
muito próximo poderia remover sem problemas. Rael não poderia ver o conteúdo.
Se Rael tentasse ver o conteúdo a força a carta seria destruída. Rayger era um
homem muito esperto no final.
― O senhor acreditou em mim? ―
perguntou Rael surpreso.
― É claro que eu acreditei. Você salvou
a vida da minha filha. Se você dissesse que morreu e voltou dos mortos eu ainda
acreditaria. ― disse ele como se fosse uma piada. Mas para Rael não era porque
ele se lembrou de sua desgraça.
― Na verdade, isso também já aconteceu
comigo. ― disse Rael com um jeito sério e um pouco chateado por se lembrar. Na
mesma hora Rayger ficou sério.
― Eu só estava brincando em todo caso.
― se desculpou Rayger.
― O senhor não acreditaria em mim tão
facilmente. Diga a verdade, por que acreditou em mim? ― insistiu Rael.
― Porque você está com nossa marca em
seu braço ― disse Rayger olhando o braço direito de Rael. ― Essa marca só
colocamos em pessoas que consideramos da família. Eu e minha esposa nunca
colocaríamos isso em alguém que não confiássemos ― disse ele chocando Rael.
Então ele se lembrou de quando Neide tocou o braço dele naquela noite.
― Foi sua esposa que me marcou no
outro mundo. Por que vocês me marcariam e qual é o propósito dessa marca? ―
perguntou Rael.
― É pra saber se você está bem, se
está com problemas, onde você está, essas coisas. ― disse Rayger bem
casualmente. Rael ficou sem jeito olhando para o lado.
― Quando foi que o senhor percebeu
sobre a marca? ― perguntou Rael voltando a olhar ele.
― Isso foi estranho. No primeiro
momento você estava em um local distante, na ilha do vulcão, depois você foi
parar na cidade de Elunia a da Rita como você me passou e então veio parar na
capital depois de um dia.
― E o senhor e sua mulher, porque não
foram atrás de mim?
― Nós viemos. Sentimos sua presença
mas estávamos muito longe na hora. Quando meu sobrinho me avisou que você
salvou minha filha eu e minha mulher já começamos a chorar no caminho. E
durante o processo nós conversamos e concordamos que nenhum de nós dois
teríamos marcado você. Mesmo assim você carregava nossa marca, eu e minha
esposa tínhamos planos de perguntar mas não saberíamos como, ia parecer uma
interrogação para a pessoa que salvou nossa filha. Quando você me contou que
veio de outro mundo tudo fez sentido.
― Mas e seus filhos? Netos eles não
tem a marca? Isso não poderia ser confundido?
― Não porque estão todos mortos. Os
únicos vivos são Mara, Samantha e o meu sobrinho. Estávamos recebendo quatro
sinais e um deles era você, que não deveria existir nesse mundo. Por isso eu
acreditei. ― explicou Rayger. Rael ficou pasmo. Ele não imaginou que as coisas
iam ocorrer dessa forma.
― Eu sei que o senhor ainda vai contar
isso para a sua esposa, mas poderia evitar contar pra Mara ou Samantha? Eu não
quero as duas pensando coisas estranhas ao meu respeito. Alias não conte a mais
ninguém, nem mesmo ao patriarca ― disse Rael.
― Fique tranquilo, nós não contaremos
a mais ninguém. ― concordou ele. ― Agora posso perguntar o que você seria de
nós no outro mundo? Porque para ter nossa marca você com certeza deveria ser
alguém próximo. ― perguntou ele.
― Sou o marido de sua filha. ― disse
Rael.
― Isso explica porque você não quer
que eu conte isso aos outros. Mas você tem o mesmo nome do patriarca, não seria
possível você ser ele, não é?
― Eu não sou ele. Não se preocupe, mas
acho que você já percebeu. Eu nem sou parecido com ele.
― Se você não é ele, ― disse a voz de
Neide e ela subiu o túnel surgindo surpreendendo Rael: ― Posso perguntar que
destino levou meu genro daqui no outro mundo? ― Neide fez a pergunta e parou ao
lado de Rayger esperando a resposta.
― No outro mundo esse homem não
existe, só isso que posso dizer. ― explicou Rael.
― E por que você tem o mesmo nome
dele? ― insistiu Neide.
― Seria uma história complicada de
contar e nisso eu não quero falar. Espero que não se importem. ― disse Rael.
Como ele confiava nesses dois ele não se importou de dizer tantas coisas. Mas
também havia um limite no que ele deveria dizer.
― Obrigada por salvar nossa filha. ―
disse Neide sorrindo meigamente e acrescentou ― espero que no outro mundo eu
esteja tratando você bem.
― Me trata muito bem, as vezes até
melhor que minha esposa. ― brincou Rael e olhou para Rayger. Rayger se sentiu
estranhamente perturbado e coçou a curta barbicha sem jeito com os dedos.
― Também, bonito como você é aposto
que ninguém está perdoando. ― brincou Neide passando a mão na cabeça de Rael.
Ela entendeu a provocação.
―Vocês dois vão devagar ai, esse
assunto já não está mais agradando! ― bufou Rayger. Depois Rael e Neide riram.
Todos voltaram a ficar sérios segundos depois.
― Deve ser estranho pra você andar por
aqui vendo Mara com outro homem. ― observou Neide. Ela tinha ouvido toda a
conversa e isso já estava claro para Rael.
― Eu não tenho tempo para ter ciúmes
com uma mulher de outro mundo que não é minha esposa. To preocupado é com a
neta de vocês dando em cima de mim como uma maluca. Ela já chegou até a me
beijar. ― admitiu Rael. Neide começou a rir porque ela entendeu a situação no
mesmo instante. Rayger também acabou rindo um pouco.
― De todo modo ela não é nada sua
aqui. Não haveria problema algum se envolver com ela. ― disse Rayger depois de
ficar sério.
― Olhando por esse lado eu concordo. ―
disse Neide.
― Experimenta pensar em namorar uma
garota que é filha de sua mulher, mesmo que seja com outro homem. ― disse Rael,
olhando Rayger que formou uma meia careta e ficou sério de novo. ― Ou até você
Neide, namorar um rapaz filho de Rayger com outra mulher. ― Neide acabou rindo.
― Agora sim ficou estranho. ―
concordou ela rindo. Rayger fez um sim depois de pensar um pouco.
― Outra coisa que eu gostaria de
saber. Como é que se faz pra enganar a idade no pilar do registro? Ou na pedra?
― perguntou Rael se lembrando de Heitor.
― Isso muitos já sabem. Você precisa
cancelar o registro da pessoa que deseja alterar. Então você pede para criar um
novo registro, leva uma pessoa com a idade que deseja ter. Na hora de tocar no
pilar, a outra pessoa deve começar, a primeira coisa a ser registrada é a idade
da pessoa. O pilar manda tira a mão e pergunta o nome. Então nesse momento a
pessoa se afasta e entra a original respondendo o nome completo como é pedido,
o pilar pede para por a mão a segunda vez e medir o cultivo para terminar o
registro. È nessa segunda rodada que o registro é completado. É um processo
simples, mas se houver as pessoas devidas de olho em toda a situação ninguém
jamais conseguiria enganar o registro.
― Então esse registro é uma bosta. ―
disse Rael.
― Geralmente ele funciona, mas as
pessoas sempre acabam cedendo para o dinheiro. ― disse Neide.
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Depois
daquilo os três voltaram para a cidade. Rael preferiu ir atrás de Thais do que
voltar para a mansão, ele estava com receio de ser atacado novamente por
Samantha. Até mandou os dois botarem juízo na garota antes de se despedir
deles.
Rael
foi encontrar Thais no ferreiro do clã. Ele já estava forjando as armas pedidas
junto com dois ajudantes.
― Você já está por aqui? Como foi
conseguiu curar a esposa do patriarca? ― perguntou Thais que ainda não sabia de
nada.
― Consegui sim, ela já está bem. ―
disse Rael normalmente. Ele ainda não se sentia a vontade com ela porque sempre
lembrava da merda que fez.
― Conseguiu de verdade? ― perguntou
ela surpresa.
― Porque não vai dar uma olhada você
mesmo? ― perguntou Rael. Thais sorriu animada.
― Eu acredito em você, viu? Se você
estava mal por alguma coisa e agora fez um bem você já está aprendendo a ser
uma pessoa melhor. Continue assim ― disse ela mantendo um sorriso.
― Você se importaria de me falar mais
de você? Do seu passado. De onde você deixava a irmã? Qual cidade ela ficava? ―
perguntou Rael surpreendendo ela.
― Que tipo de pergunta é essa?
― Eu fiquei pensando nisso a noite
toda e estava curioso. Se você não me responder essas coisas acho que não vou
conseguir tirar isso da cabeça ― explicou Rael.
― Se você quer saber eu conto sim...
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No
mundo normal Natalia estava cada vez mais preocupada. Rael não chegava e a data
de seu casamento se aproximava cada vez mais. Ela estava começando a se sentir
aflita.
Mara era
outra que não estava nenhum pouco bem. Ela estava cheia de saudades do marido e
bastante preocupada. Mesmo seus pais dizendo que ele voltaria logo.
― Quando eu voltar aqui eu não quero
ver você parada ai. Se tem tempo para se preocupar então cultive. Quando seu
noivo voltar não vai gostar de saber que você não aproveitou cada momento que
teve ― reclamou Mara enquanto passava por ela na sala. Isso porque Natalia
parecia ficar muito deprimida as vezes.
Natalia
entendeu que ela estava certa, ficar pensando nisso não iria
ajudar. Ela também precisava surpreender Rael quando ele voltasse. Então ela se
levantou e subiu as escadas indo para o quarto cultivar.