Parte 02 - Os Estrangeiros
Willem sabia que não podia mais lutar. Ele percebeu que
ele morreria se ele alguma vez tentasse ficar no campo de batalha. Ele mesmo
aprendeu a ver o lado positivo disso: enquanto as meninas partiam para lutar,
ele podia vê-las na segurança de casa.
No entanto, quando a aeronave Plantaginesta estava sob
ataque, Willem escolheu lutar tão naturalmente. Ele escolheu deixar de lado a
adormecida Chtholly, e colocar seu Venenum em chamas e enfrentar o inimigo.
Quando conheceu Rhantolk no campo de batalha, ela disse que ele estava tentando
se suicidar usando Chtholly como uma desculpa. Sua descrição não poderia ter
expressado suas ações na época com mais precisão.
Willem queria morrer lá fora. Ele queria jogar fora
tudo, exceto sua determinação de proteger as meninas. Ele usou o campo de
batalha para satisfazer seus desejos egoístas, pisoteando a parte dele que
queria simplesmente esperar o retorno das meninas.
Ele fez tudo o que pôde, e até mesmo algumas coisas que
ele não poderia ter feito. Pela primeira vez em um tempo, seu Venenum
inflamou-se com todo o potencial. Ele ouviu os sons de seu próprio sangue
fervendo e queimando a carne. Se ele fosse morrer lutando, não importava o que
fosse, não tinha como voltar atrás. E uma vez que ele não podia mais lutar, nem
a dor nem o sofrimento importaria. Ele foi com tudo.
E então, seu desejo se tornou realidade. O 2° técnico
de armas encantadas da Winged Guard e gerente do armazém de fadas, Willem
Kmetsch, perdeu sua vida durante a intensa batalha. Ou, pelo menos, é o que
supostamente aconteceu.
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Os pássaros estavam cantarolando suas pequenas e
bonitas canções. Uma manhã agradável amanheceu.
Sentado no telhado do orfanato, Willem abafou um
bocejo. Então, com olhos ligeiramente lacrimejantes, ele examinou a área. A
cidade familiar diante dele parecia exatamente como ele se lembrava dela. O
pedaço de verde na distância marcou a fazenda de Adam. Em frente a ele estava a
capela. Os edifícios de tijolos de várias cores nas proximidades eram
apartamentos baratos, e na borda do aglomerado, uma bandeira vermelha
balançando ao vento significava a Guilda dos Aventureiros. E, além disso,
depois da vala de irrigação, estava o centro da cidade de Gomag.
Pilares de fumaça subiam de algumas das chaminés à
vista. Os moradores da cidade começavam a preparar o café da manhã. Os humanos
do mundo estavam se preparando para viver outro dia.
Claro, não havia nenhuma maneira de tudo isso ser real.
A cidade diante dos olhos de Willem, juntamente com o Emnetwyte que prosperaram
ali, pereceram há muito tempo atrás. Mais de 500 anos atrás, de acordo com os
livros de história. Os invasores chamados de 'Bestas' apareceram bem no meio da
capital imperial dos humanos, dentro do palácio do rei. Elas eram terrivelmente
fortes, ainda mais terrivelmente numerosas, e também rápidas. Elas devoraram o
mundo a um ritmo inigualável por qualquer exército que já andou na terra. Em
apenas alguns dias, muitas das principais cidades e estados que faziam parte do
império desapareceram.
Mas não só o Emnetwyte desapareceu. As Bestas
consumiram tudo à vista sem discriminação. Grama e árvores, animais e insetos,
Elfos e todas as outras raças que estavam no caminho das Bestas. Elas destruíram
tudo, como se simplesmente fosse um crime imperdoável para elas.
A terra real agora não era mais do que uma terra
desolada, onde as únicas coisas que se moviam eram as tempestades de areia
cinzentas. Os poucos sobreviventes da feroz fúria das Bestas escaparam há muito
tempo para ilhas flutuantes no céu sob a liderança do Grande Sábio e refizeram
a civilização de novo. Essas raças que não tiveram a sorte de ter conseguido a
busca de refúgio foram, claro, extintas.
[Droga]. Willem jurou discretamente o suficiente para
que ninguém mais ouvisse.
Os humanos já haviam desaparecido, junto com a cidade
natal. Willem repetiu isso para si mesmo repetidamente. O cenário que se
espalhava diante de seus olhos não era mais do que algo como um diário.
Despertou velhas lembranças e um sentimento nostálgico nele, mas elas existiram
apenas no passado. O lugar para onde ele precisava retornar, a casa que ele
precisava voltar, não estava aqui. Estava lá em cima, distante, no céu.
[É grande]. Nephren sentou-se ao lado dele e começou a
falar na linguagem comum de Règles Ailés. [Qual o número dessa ilha?].
[Por que você está me perguntando?].
[Parece que você sabe onde isso é].
A declaração de Nephren foi estranhamente difícil de
confirmar ou negar.
[Esta é a cidade de Gomag, parte do império. O prédio
abaixo de nós é o Orfanato Comemorativo de Foreigner, construído e administrado
pelo próprio Nils D Foreigner da 18ª geração Regal Brave].
O rosto de Nephren, que raramente mostrava qualquer
expressão, ficou perturbado com a dúvida.
[Um Brave gerenciando um orfanato? Nunca ouvi isso
antes... Mas de qualquer forma, se estamos no império, isso significa que esta
é a 6ª ilha?].
[Não sei sobre você, mas nunca ouvi falar de um Brave
em Règles Ailés. Esta é a terra].
O olhar de Nephren ficou ainda mais perturbado. Foi um
pouco divertido.
[Mas não há mais Braves na terra, certo?], ela
perguntou.
[Bem, esse é o problema. Tudo na terra foi destruído há
500 anos], Willem respondeu enquanto olhava ao redor. [Mas isso é sem dúvida a
mesma cidade natal de minhas memórias].
Seguindo o exemplo, Nephren também examinou os
arredores.
[... Então esta é a terra antiga].
[Correta].
[Existe outra terra abaixo desta?].
A pergunta de Nephren parecia um pouco estranha, mas
Willem entendeu o que queria dizer. Tendo vivido em Règles Ailés durante toda
sua vida, ela se acostumou com as ilhas flutuantes e seus espaços limitados. Se
você andasse um pouco, você se depararia com a borda, e se você olhar para
baixo lá, você veria a terra cinzenta abaixo. Isso era senso comum para ela. O
conceito de uma vasta paisagem fértil que se estende infinitamente em todas as
direções, embora talvez vagamente compreensível, provavelmente ultrapassou o
que jamais imaginara.
[Aquela montanha parece estar muito longe], disse
Nephren enquanto apontava na distância.
[Com certeza. A partir daqui até lá, pode se dizer que
é equivalente ao comprimento da 68ª Ilha].
[E além dessa montanha, a terra continua?]
[Sim, continua. Cerca de 2 dias de distância, há uma
cidade muito grande]. Willem apresentou um mapa mental do império. [Depois
disso, são campos de cereais por um tempo, então você atravessa um rio e há uma
enorme floresta e depois uma cordilheira... Depois disso se torna uma zona de
guerra... Território disputado com os Elfos].
[... Me faz sentir um pouco desconfortável].
[Ah, eu sei do que você está falando. Isso é o que
acontece quando você tenta pensar sobre algo tão ridicularmente grande].
[Mas a terra já caiu em ruína].
[Correta].
[Então, o que é tudo isso?].
[Provavelmente...].
Willem olhou para o peito. Ele podia ver o leve brilho
do Venenum emanando do fragmento de metal pendurado em seu pescoço, o talismã
de idioma único, que tinha o poder de transmitir própria vontade através de
palavras. Só exigia uma pequena quantidade de Venenum do usuário para ativar.
Era realmente um pequeno aparelho conveniente, mas tinha algumas desvantagens.
Como mentiras ou insultos que são inofensivos quando
guardados a si mesmo, há ataques que só se tornam efetivos quando transmitidos
ao alvo. Compreender todas as línguas significa que todos esses ataques podem
atingi-lo diretamente. Enquanto o talismã de Willem permanecesse ativado, ele
aceitaria todas as mensagens recebidas sem qualquer tipo de processo de
triagem, reduzindo consideravelmente sua resistência a qualquer tipo de ataque
de interferência mental. Ele havia se esquecido completamente disso, uma vez
que não representava ameaça ao viver em Règles Ailés.
O talismã agora estava ativado contra a vontade de
Willem. O que isso significa?
[... Provavelmente é um sonho].
Nephren lançou lhe um olhar frio.
[Espere, não, não, não é apenas um sonho antigo
qualquer. Quero dizer, nós somos os alvos de algum tipo de ataque].
Quando Willem percorreu a terra como um Quasi Brave,
ele encontrou alguns Demônios que usavam esses truques. Os demônios eram uma
raça dedicada a corromper o Emnetwyte. Eles seduziam os seres humanos com
vários esquemas na tentativa de conseguir que seu alvo jogasse fora seu autocontrole
ou fé. Um desses planos era um ataque mental que utilizava um mundo de sonhos.
[Um mundo de fantasia construído sobre as memórias da
vítima, feito para replicar a realidade com uma precisão quase perfeita. O
objetivo é fazer da vítima um residente permanente do mundo imaginário. Tenha
cuidado. No segundo que perdermos o desejo de escapar daqui, eles ganham],
explicou Willem.
[Então, esse sonho parece muito com a terra antiga por
que...].
[Eles provavelmente pensaram que eu iria cair apenas
por ver este lugar].
Na verdade, foi um ataque bastante eficaz. Apenas
sentado no telhado e olhando ao redor, um sentimento quente e nostálgico
avançou sobre Willem, quase parecia derreter seu coração. Mas enquanto ele
reconhecesse que era de fato um ataque, e não a realidade, ele podia resistir.
[Um mundo de sonhos...]. Nephren murmurou e beliscou
sua própria bochecha. [Ai. Isso realmente é um sonho?]. Lágrimas começaram a
aparecer nos olhos dela.
[Bem, o objetivo é que é um sonho que você nunca acorda
dele, então não seremos capazes de sair tão facilmente].
[Então, o que acontece se não fazemos nada?].
[O objetivo deles é nos fazer completos moradores deste
mundo. Para conseguir isso, eles vão mexer com o mundo e nos forçar a reagir].
[Brincar com o mundo?]
[Eles são os criadores deste mundo. Além de interferir
diretamente com nós, eles podem fazer praticamente tudo o que querem usando
nossas memórias. Havia algumas espécies de Demônios que se especializaram nesse
tipo de tentação. Cada um deles tinha seus próprios métodos. O Aeshma
gradualmente matava todas as pessoas no sonho, os Bufas atacariam diretamente,
e o Mammon lhe daria um monte de dinheiro e joias. Eu também lutei com uma
Succubus uma vez...].
A Succubus corromperia seu alvo principalmente por
satisfazer os desejos sexuais. Então, o mundo dos sonhos em que Willem ficou
preso durante sua luta estava transbordando com esse tipo de tentações. Foi...
Bem, Willem não queria exatamente explicar os detalhes a Nephren. (Por pouco
tempo depois dessa luta, ele não conseguia fazer contato visual com Lillia ou
Emissa).
[De qualquer forma, seguindo em frente...].
[O que a Succubus fez?]. Nephren perguntou, para o
desgosto de Willem.
[Seguindo em frente...]. Ele mudou de assunto à força.
[Eu não sei quem é nosso inimigo, mas seu alvo é quase definitivamente eu].
Willem achava difícil imaginar que a Nephren sentada ao
lado dele era uma farsa. Ela não pertencia ao cenário do sonho, então,
provavelmente, a verdadeira Nephren acabou por ficar presa nessa bagunça junto
com ele.
[Então, basicamente, enquanto eu ainda tiver o desejo
de escapar, nosso inimigo tentará interferir com este mundo para quebrar meu
espírito. Essa é a nossa chance. Precisamos descobrir quem é ele e atacar].
[Precisamos atacar de volta?]. Nephren perguntou.
[Claro. Se nos ficarmos sentados, nunca iremos sair
daqui].
[Precisamos escapar?].
[...].
[Se sairmos daqui, não demorará muito para nós dois
morrermos].
Nephren provavelmente estava certa. Como Willem e
Nephren estavam morrendo na areia cinzenta, alguém tinha capturado suas almas e
as trouxe a este mundo de sonhos. Isso significava que havia uma grande
possibilidade de que seus corpos físicos já se tornaram cadáveres no mundo
real. Ou talvez o tempo que passaram no mundo dos sonhos representava apenas
uma fração de segundo no mundo real. Nesse caso, quando eles escapassem do
sonho, eles retornariam para seus eus quase mortos, e depois morreriam alguns
segundos depois.
[Nunca voltaremos para casa], disse Nephren.
[... Esse não é o problema], disse Willem, praticamente
para si mesmo. [Não deixe pensamentos estranhos entrarem em sua cabeça. Se você
perder a vontade de escapar, você se tornará uma residente desse mundo dos
sonhos para a eternidade. Só porque sou o alvo do inimigo não significa que
você esteja segura].
Nephren assentiu e ficou em silêncio.
Pergunto-me o que há de errado com ela, pensou Willem.
Nephren sempre foi uma garota bastante estranha, mas a estranheza que Willem
sentia nela agora era um tipo diferente de estranho. Ela tinha sua expressão
habitual abstrata, mas as emoções que residiam mais fundo dentro de seus olhos
contavam uma história diferente. Algo estava a preocupando.
[Paai!]. Alguém estava o chamando lá de baixo na língua
do império.
Só ao ouvir essa voz, Willem sentiu uma sensação de
aperto no peito. Olhando para baixo, ele viu Almaria, ou melhor, algo que
assumiu a aparência de Almaria, parada no lado de fora na porta da frente
acenando para ele. A sensação em seu peito se transformou em dor. Almaria.
Aquele rosto. Aquela voz. Quando os perdeu, ele tinha se entristecido como
nunca antes. Ele sofreu tanto tentando aceitar. E, enquanto ele nunca conseguiu
esquecer essa dor, mas finalmente, poder diminuir isso o salvou mais do que
seus salvadores perceberam. No entanto, agora, ela estava lá, olhando para ele
com aquele rosto, chamando-o com aquela voz, como se fosse negar toda a sua
luta agonizante nos últimos 2 anos.
[O que você está fazendo aí em cima? O café da manhã
está pronto!].
[O que ela está dizendo?]. Nephren perguntou, sendo
incapaz de entender o idioma Emnetwyte.
[É hora do café da manhã. Podemos pensar mais depois de
comermos].
Nephren assentiu.
[Não se preocupe. A comida que a Almaria faz é
deliciosa, pelo menos tão boa quanto a de Nygglatho], disse Willem. [Bem,
exceto pela carne]. O conhecimento e a
devoção dos Trolls em relação às carnes ultrapassaram as dos Emnetwyte. Embora
Almaria fosse uma grande cozinheira, ela nunca poderia vencer contra um Troll
quando se tratava de carne, e Willem não gostaria que ela também pudesse. Isso
seria simplesmente assustador.
[Eu não estava preocupada com isso].
[Hm? Então, com o que você está preocupada?].
Willem tentou perguntar casualmente, mas Nephren não
respondeu. Ela acendeu silenciosamente o Venenum, gerou asas ilusórias cinzas
esbranquiçadas nas costas e voou do telhado. As asas das fadas não têm
substância física e também têm o privilégio de ignorar as leis da física. As
asas de Nephren a levaram até o chão sem um único bater de asas, depois
desapareceram tão rapidamente quanto apareceram inicialmente.
Almaria soltou um grito. Sendo uma civil comum, e não
uma Brave, aventureira ou cavaleira, ela provavelmente não estava acostumada a
ver garotas voadoras. Com um suspiro, Willem coçou a cabeça e acendeu seu
próprio Venenum. Então, deixando para trás com um som explosivo, saltou no ar.
Suas pernas fortalecidas o impulsionaram para cima com uma força que superou o
que um ser humano normal seria capaz. Depois de ajustar ligeiramente sua
posição no meio do ar, Willem pousou ao lado de Nephren. Seus sapatos deixaram
uma forte marca no chão enquanto eles levantavam uma nuvem de poeira.
[Willem!?].
[Estou bem].
Ele tranquilizou a Nephren preocupada e verificou a
condição de seu corpo. Em nenhum lugar em particular doía. Ele tentou saltar
para cima e para baixo algumas vezes no lugar, mas ainda não surgiu nenhum
problema. O Venenum estava revigorando o corpo de Willem.
Entendo. Willem deduziu que ele e Nephren tinham
mantido todas as habilidades que possuíam no mundo real, enquanto perdiam
qualquer dano que afligia seus corpos físicos. E sem todas as feridas em seu
corpo, Willem agora poderia usar livremente o poder que ele já teve como um
Quasi Brave.
[Ah, sim, mais cedo...], disse Nephren.
[Hm?].
[Você nunca me disse que tipo de sonho a Succubus faz].
[Esqueça isso].
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Nos arredores da cidade de Gomag, havia um edifício
solitário. Com o nome oficial de Orfanato Comemorativo de Foreigner, foi
financiado e construído pelo próprio Nils D Foreigner, o grandioso da 18ª
geração Regal Brave. Bem, tinha um nome fantástico e história de fundação, mas
o mesmo não poderia ser dito para qualquer outra coisa sobre isso.
Se você tivesse que descrevê-lo com uma palavra, ‘velho’
poderia ter sido uma resposta adequada. Em duas palavras, 'muito velho'. Era um
prédio de madeira de 2 andares, cujas paredes e teto mostravam sinais claros de
ambas as idades e a incompetência dos carpinteiros novatos que trabalharam
nelas ao longo dos anos. Antes que Nils comprasse a propriedade, era uma
pré-escola que estava prestes a ser demolida, por isso ostentava tanta história
quanto qualquer um dos edifícios de pedra da cidade. Mas, ao contrário deles,
tinha um alicerce deplorável e instável que parecia estar pronto para voar a
qualquer momento, se uma tempestade atingisse o prédio.
Na época, havia 21 crianças que viviam nesse orfanato
administrado de forma privada. Elas viviam uma vida saudável e tumultuada, não
sendo oprimidas por adultos inúteis. Willem era um residente do orfanato,
embora por cerca de 5 anos ele quase nunca teve a chance de voltar para casa.
Seu treinamento para se tornar um Brave, e suas missões, uma vez que ele se
tornou um Quasi Brave, não deixou muito tempo livre. Mas ainda assim, ele era
um orgulhoso residente do orfanato.
Como todos se reuniram para o café da manhã, muitos dos
novos recém-chegados ao orfanato deram uma olhada no homem mais velho e ficaram
com medo de seu humor. Mas assim que Willem lhes mostrou aquele sorriso dele,
elas relaxaram. Esse tipo de momentos eram as únicas vezes em que aquele rosto
dele, que não tinha qualquer solenidade, era útil. As crianças mais velhas
(principalmente cerca de 10 anos), que já conheciam Willem, lhe deram uma
calorosa recepção.
[Ei! Pai, você está de volta!].
[Ei, me ensine como usar uma espada! Lembra? Você
prometeu me ensinar quando voltasse].
[Onde você lutou desta vez? Você matou muitos Elfos?].
Todos se reuniram em torno de Willem e o incomodaram
com perguntas.
[Ei pessoal! Fico feliz em ver que todos estão bem].
Uma a uma, Willem abraçou as crianças, esfregou as
bochechas e bagunçou seus cabelos. Enquanto ele circulava, as crianças gritavam
com entusiasmo.
[Todos se acalmem. É rude causar tanto barulho durante
as refeições, não acham?].
Depois de receberem uma repreensão de Almaria, as
crianças se sentaram e comeram.
Uma salada amarga com molho agridoce. Essa combinação
de sabores, que Willem quase esqueceu, deu um pouco de surpresa a seu estômago.
As coisas que ele queria proteger. O lugar que desejava
voltar, para casa que desejava retornar. As pessoas que ele queria encontrar
mais uma vez. As vozes que ele queria ouvir mais uma vez. A razão pela qual ele
continuou a empunhar a espada na batalha, apesar da falta de talento. Willem
não podia realmente dizer que tudo estava aqui. Mas muito do que ele perdeu uma
vez, lamentou, e finalmente, desistiu de vez reivindicar estava
indiscutivelmente bem na frente dele, sob a forma de uma multidão de crianças.
No entanto, nada disso era real. Permitir que os impostores o comovessem
emocionalmente praticamente seria uma traição à verdadeira Almaria e aos
verdadeiros filhos que se foram 527 anos atrás.
Mas só por estar lá e conversar com eles, Willem não
podia deixar de se emocionar. Ele sentiu as lágrimas voltarem a aparecer. Ele
queria dar a todos outro abraço. O que aconteceria se ele parasse de tentar
suprimir esses impulsos? Como Almaria reagiria se ele de repente lhe desse um
grande abraço?
Espera, espera! Eles estão olhando! As criancinhas
estão olhando!
Em primeiro lugar, ela provavelmente diria algo assim,
mas ela não resistiria fisicamente. Mas mais cedo ou mais tarde...
Nossa. Você cresceu, mas por dentro, você ainda é
apenas uma criança.
Ela aceitaria isso. Então, com um rosto ligeiramente
aborrecido, mas com uma voz suave e gentil, ela o abraçaria de volta e o
confortava. Willem facilmente previu tudo em sua cabeça, mas a cena imaginária
o deixou um pouco triste.
[Pai], Almaria chamou ele.
[O que?].
[Por que você está fazendo caretas? É muito
assustador].
Willem estava realmente magoado.
[Sempre que você volta para casa, é sempre repentino
assim], disse Almaria com uma pitada de aborrecimento em sua voz. [O vovô
sempre foi assim também. Agora, eu entendo que os Braves estão ocupados e tudo
mais, mas acho que há um limite quanto você pode usar essa desculpa, certo?].
Embora Almaria parecesse reclamar, ela manteve uma
expressão alegre e passos leves. Willem sabia que muitas vezes ela tinha dificuldade
em ser sincera consigo mesma, então ele não levou suas queixas ao coração.
Sentado em sua cadeira, ele olhou para Almaria. Parecia um pouco menor do que
lembrava. Depois de um momento de pensamento, ele logo percebeu o por que. A
razão quase o fez querer rir.
O período ridiculamente longo de 500 anos intercalado
confundiu seu senso de tempo, mas naquela noite, quando Willem viu pela última
vez Almaria, ela tinha 16 anos. Depois de seu sono, ele passou cerca de 2 anos
em Règles Ailés. Durante esse tempo, ele ficou mais alto. Mais de 527 anos,
Willem sofreu apenas 2 anos de mudança. Fisicamente, ele simplesmente cresceu
de 16 para 18. Mas Almaria não mudou nem um pouco. Willem estava apenas vendo
sua nova diferença de altura. E isso também serviu como prova clara de que a
Almaria que estava aqui era uma farsa.
[... Diga, você percebeu algo estranho em mim hoje?],
perguntou Willem.
[Sim], respondeu Almaria.
[O que?].
[O fato de você estar fazendo essa pergunta. Além
disso, você está fazendo o mesmo rosto que Falco faz quando está chorando
depois de ter um pesadelo, e você parece meio nervoso mesmo que esteja em
casa].
É isso? Os pensamentos de Willem ficaram amargos. Mais
cedo, ele notou que Almaria parecia menor do que o habitual. Iniciando as
perspectivas, Almaria deveria ter percebido que Willem havia crescido um pouco.
A verdadeira Almaria sem dúvida teria notado isso e apontado esse fato. O fato
de não ter feito isso apenas forneceu mais evidências de que ela era uma
impostora.
[Pai]. Uma menina puxou sua manga. [Quem é aquela?].
Nephren, embora incapaz de entender sua língua, ainda
podia ver que todos se voltaram para olhar para ela. Ela deu a Willem um olhar
interrogativo.
[Você lutou no norte desta vez, certo? Ela é de um
daqueles países?].
[Ah...]. Willem pensou um pouco, mas não conseguiu uma
explicação decente. [Sim, isso].
[O que está acontecendo?]. Nephren perguntou na língua
comum de Règles Ailés.
[Alguém perguntou quem você é. Não posso dizer
exatamente a verdade, então entre no jogo].
[... Entendi]. Nephren assentiu e voltou para sua
refeição.
[Ela tem um cabelo bonito. É como se fosse quase
prateado], alguém comentou.
[Ah... Sim].
Entre as fadas, que muitas vezes possuíam cabelos com
cores vivas e brilhantes, Nephren era relativamente normal. Assim, embora as
pessoas reconheçam sua cor de cabelo incomum, elas não podiam dizer
imediatamente que ela não era humana.
[Então, qual é a história dela?], perguntou Almaria
quando trouxe outra tigela de salada. [Desde que você a trouxe aqui de repente,
no início, eu pensei que ela precisava ser atendida, mas antes ela voou, não
foi?].
[Ah...]
O orfanato operava com o subsídio da cidade de Gomag,
mas as crianças não eram todas residentes de Gomag. Elas vieram de todos os
lados, apanhadas pelo mestre de Willem, o também fundador do orfanato e seu
‘avô’, durante suas batalhas.
[Não... Ela é mais como... Minha camarada].
[Camarada?], repetiu Almaria com desconfiança.
[Camarada do que?].
[Uma companheira Quasi Brave. O que mais isso poderia
significar?].
[Brave!?].
[Mesmo que ela seja menor que nós!?].
[Sério!?].
Todos os meninos imediatamente voltaram sua atenção
para Nephren, que recuou de perplexidade. Afinal, ela foi criada no orfanato
feminino de fadas. Os únicos homens, além de Willem, que se aproximaram eram os
soldados Reptrace do exército. Esta foi provavelmente a primeira vez que chamou
a atenção de meninos de uma raça semelhante.
[Ei, vamos ter um duelo!].
[Ei, não é justo! Eu cheguei primeiro!].
Os meninos agarraram os dois braços de Nephren e
começaram a arrastá-la pelo corredor.
[Eu realmente não sei o que está acontecendo, mas é
como se houvesse um monte de Collons], Nephren murmurou.
Sua voz se apagou quando ela se afastou, e acabou se
tornando inaudível para Willem. Essa é uma boa comparação, pensou ele.
[Ei, pelo menos, digam ‘obrigado’ quando terminarem de
comer!]. Almaria gritou pelo corredor. Alguns dos garotos voltaram a deram um
enérgico ‘obrigado!’. [Nossa, que grosseiro. De qualquer forma, ela é muito
pequena... Mas acho que ela pode usar uma das grandes espadas que você me
mostrou antes?].
[Sim. Apesar do tamanho do seu corpo, ela é muito mais
qualificada para ser um Brave do que eu. Ah, e também, ela parece pequena, mas
ela tem em torno da sua idade], disse Willem.
[O que, sério? Eu pensei que ela tinha aproximadamente
a mesma idade que Nanette].
Sentada no canto da mesa, Nanette, que acabou de
completar 10 anos, assentiu vigorosamente. Willem poderia definitivamente ver
por que eles conseguiram essa impressão. Nephren era muito pequena. No entanto,
ele decidiu não contar a ela sobre sua pequena conversa.
Paai.
[... Hm?]. Uma voz parecia chamá-lo do nada. [Alguém
disse alguma coisa?].
[Hã? Eu disse que ela parece ter a mesma idade que
Nanette], respondeu Almaria.
[Não, depois disso. Soava meio distante...].
[Eu também pensei que ela tinha a mesma idade que eu!],
Nanette levantou a mão e disse energicamente. Isso provavelmente não foi o que
Willem ouviu.
Ah bem. Talvez fosse apenas sua imaginação. Em qualquer
caso, ele não podia se dar ao luxo de deixar sua guarda baixa. Estava se
modelando para ser um sonho mais problemático do que pensou originalmente.
Lembrando-se de que ele estava nas garras de um inimigo desconhecido, e não na
segurança de casa, Willem concentrou sua mente e aguçou sua vigilância.